SOLENIDADE DO CORPO E SANGUE DE CRISTO

LEITURAS: 
Gn 14,18-20
Sl 109
1Cor 11,23-26
Lc 9,11b-17
A festa de Corpus Christi nasce em Liége na Bélgica no Sec. XIII. O seu início ocorreu primeiro na Itália, quando um padre celebrava a Eucaristia na cripta da igreja Santa Cristina, na cidade de Bolsena, e de repente começou a pingar sangue no corporal que escorria da hóstia consagrada. Após esse episódio, o bispo de Orvieto pediu para fazer a transladação das relíquias até a catedral de Orvieto, onde se encontram até hoje. Pessoalmente, tive a oportunidade de ver e fotografar, quando fizemos um passeio por lá em 2014. Depois desse acontecimento, o Papa Urbano IV, em 1264 aprovou que fosse oficialmente celebrada a procissão de Corpus Christi, na quinta-feira após oitava de Pentecostes. Doravante, a Igreja, por séculos afora, continua a celebrar essa festa litúrgica, com procissão, enobrecendo e evidenciando, assim, o valor da Eucaristia na vida dos cristãos e da Igreja.
A liturgia deste dia vem enriquecer a nossa fé, fazendo memória da Palavra de Deus e memorial da Ceia Eucarística que Jesus nos deixou como eterna aliança.
A primeira leitura nos relata o gesto de Melquisedec, sacerdote e rei de Salém (Jerusalém) que, ao acolher Abraão e sua gente, partilhou o seu pão e o seu vinho para matar a fome. Por isto, até hoje, Melquisedec é lembrado como figura de Cristo e dos sacerdotes da Nova Aliança. O gesto de generosidade de Melquisedec está relacionado com o tema da Eucaristia, porque não se pode e nem se deve celebrar esse sacramento sem viver a partilha com os irmãos que passam necessidade.
Na segunda leitura, a comunidade de Corinto vive um drama entre celebrar a Eucaristia e testemunhar a partilha. Paulo relembra as palavras de Jesus na Ceia, fazendo memória do memorial da entrega de Cristo como alimento para os seus. Paulo denuncia o comportamento incoerente de alguns irmãos da comunidade que, movidos pela ambição, pela gula, não esperam os outros para dividir o mesmo pão. Atitudes dessa natureza são condenáveis, porque, conforme Paulo, há uma incompatibilidade, uma incoerência em celebrar um culto a Deus e não traduzi-lo concretamente através de gestos e comportamentos condizentes com o seguidor de Cristo. Paulo age, duramente, na comunidade de Corinto. Sua pregação é radical e severa para tentar corrigir os vícios que manchavam a própria comunidade. Chega a dizer que quem não vive de acordo com a Palavra e com a Eucaristia, isto é, o que ela representa e significa, realiza atos condenáveis: “Come e bebe a própria condenação (1Cor 11,29)”. Assim, ele tenta mostrar que a Eucaristia não é um alimento para ser consumido de forma individual e isoladamente. Ela é pão que deve ser partido e repartido entre os irmãos na vida da comunidade. O pão eucarístico é, antes e acima de tudo, pão comunitário. A eucaristia, portanto, é pão da fraternidade, da comunhão, da solidariedade, do companheirismo. Pão que alimenta o espírito de cada um para se viver o amor e no amor. Quem faz o contrário disso, não é digno de recebê-lo.
Todos são convidados à mesa da Eucaristia. Ninguém é excluído dela, porém, quem dela se aproxima, deve se comprometer a realizar o que a ela pede. Quem comunga, não deve se sentir melhor nem mais importante que ninguém e, por isso, não deve excluir, nem ter preconceitos, nem afastar os outros, ou agir com moralismos, que fere e mata o sentido da comunhão. Aqui vale mencionar que, nos últimos tempos, talvez por influência de uma mentalidade mais pentecostal, muitas pessoas e movimentos na Igreja pregam um moralismo exacerbado, sobretudo, enfatizando pecados de cunho sexual e ligados à afetividade humana. Agindo assim, deixa quase a entender que esses são os maiores pecados da vida humana, esquecendo, entretanto, de outros muitos mais sérios e graves, como aqueles sociais que atentam contra a vida das pessoas e sua dignidade.
No Evangelho de hoje, acontece o episódio da multiplicação dos pães. O texto de Lucas fala que os Doze, preocupados com a multidão que cercava Jesus, foram até ele propor para que mandasse o povo ir embora. Quiseram mandar o povo se virar para providenciar comida. A reação de Jesus foi outra. Enquanto os discípulos queriam se afastar de um grande problema, Jesus os convida a comprometer com a solução do mesmo. A atitude inicial do mestre foi primeiramente de acolher as multidões e lhes falar do Reino. Seria contraditório da parte de Jesus falar de acolhimento, de justiça, de amor, de partilha, de solidariedade, de fraternidade, etc., e depois mandar o povo embora com fome.
Jesus convida aos discípulos a que providenciem comida para uma multidão. Em outras palavras, Jesus está ensinando que uma comunidade cristã verdadeira deve se preocupar com a fome dos irmãos. A comunidade de fé que celebra a eucaristia deve ter a coragem de abandonar suas casas, sua comodidade, etc., para se juntar aos outros na alegria e nas dificuldades. Ao fazer isso, deve partilhar a vida, tudo o que se é e que se tem para que a ninguém falte o necessário para viver com dignidade e ser feliz. Na comunidade de irmãos, há partilha e ao mesmo tempo não há desperdício. Jesus convida a recolher o que sobrou, seguramente, para alimentar os outros ou os mesmos em outra necessidade.
Ao finalizar esta reflexão, lembremos que a Eucaristia não é um prêmio, não é uma recompensa para os bons, mas como dizia o Papa Francisco é remédio e alimento para os fracos. Eucaristia, o Corpo de Cristo, é alimento, vida e compromisso com o Reino de Deus.  
 Pe. Nicivaldo Evangelista