Neste tempo de
pandemia, em vários setores, a vida precisa ser reinventada; novai-e-vem,
percebemos que somos capazes de ir além daquilo que,costumeiramente, fazíamos.
A esta constatação chegou a Paróquia de Rio de Contas na celebração da festa de
seu Titular, o Santíssimo Sacramento.
Realizar ou
não, de que modo e quando, a segurança, risco de aglomeração, presença ou não
de fiéis e turistas, o que manter e o que reservar às próximas festas foram
temas e questionamentos amplamente feitos e tratados através da responsável
parceria firmada entre a Paróquia e Governo municipal de Rio de Contas, por
meio das secretarias de cultura, turismo e saúde, juntamente com o serviço de
vigilância sanitária.
Na paciência
da escuta e ponderações que pudessem garantir a segurança e saúde das pessoas,
conclusões foram alcançadas, possibilitando a realização de mais uma festa,
cujo costume remonta à metade do século XVIII, quando sertanistas de alçadas
bandeiras trouxeram a fé católica às paragens da hoje Chapada Diamantina. Assim,
de 02 a 11 de junho de 2020, da centenária e robusta matriz, mesmo com a
presença restrita de fiéis, ecoaram os mais belos hinos e fez-se ouvir piedosas
e belas orações, através de uma novena de origem portuguesa, cuja edição é
datada de 1803. Dois potentes e numericamente pequenos corais se encarregaram
dos cantos, sob a orientação do padre Júlio César Meira. Nove padres vindos das paróquias pertencentes
à Diocese de Livramento de Nossa Senhora refletiram com os mais apropriados
termos, referendados por textos bíblicos seletos, a missão dos jovens na
sociedade e na Igreja. A noite das lanternas fala pelos inúmeros registros
fotográficos, que mostram fachos de luz desprendendo-se das lanternas a vela ou
com lâmpadas elétricas, instaladas nas fachadas das casas e noutros edifícios
do centro histórico, uma beleza sem igual, que substituiu a luz elétrica das
ruas, uma tradição da véspera da festa. O
grande dia começou com alvorada festiva pela cidade, sem a presença da Lira dos
Artistas, com a inconfundível execução dos seus dobrados. Este ano os
rio-contenses foram acordados pelos mesmos dobrados, através de um carro de som
que trafegou pelas ruas desde a madrugada ate às oito horas da manhã. Talvez de
modo mais intenso aos que insistiam em ficar sob as cobertas naquele frio
mediano, mas também ao dia nascente, ao sol que despontava, às serras e às
cachoeiras, aos pássaros que festejam o amanhecer por todos os cantos, os belos
sons da Lira, associados ao repicar dos sinos e estrondo dos foguetes diziam a
todos, enfim, que a festa do Santíssimo Sacramento estava acontecendo. Às dez
horas, diminuída apenas no tocante à presença física dos fiéis, a Missa solene
foi presidida por Dom Armando Bucciol, Bispo diocesano, ladeado pelo padre
Rinaldo, pároco e pelo assessor diocesano do setor juventude e pároco da
Paróquia de São Paulo Apóstolo de Novo Horizonte,padre Antônio Carlos, que
trouxe em sua pessoa todo o clero diocesano impedido de participar, em razão da
desastrosa pandemia. Em sua feliz homilia, Dom Amando advertiu aos ouvintes que o
povo que perde seu passado é um povo sem história, portanto incapaz de
construir um futuro sólido; também insistiu que o novo coronavírus nos coloca de
joelhos, motivo pelo que deveríamos nos tornar mais conscientes que somos
limitados e que, somente acolhendo Deus e seu Filho, poderemos encontrar
sabedoria e equilíbrio para tornar mais serenos e ricos nossos dias terrenos.As
redes sociais digitais cumpriram sua finalidade pastoral, pois foram elas que
levaram a centenas de famílias a piedade e o esplendor da grande Festa. Mais ainda,
pelos caminhos tortuosos da pandemia, e graças a esses meios de comunicação, a
Paróquia mais antiga da Diocese e juntou à mais nova num só louvor ao redor do
mesmo altar, presidido pelo Bispo diocesano, tendo ao seu lado os dois
respectivos párocos, significativa garantia de unidade eclesial, num dia solene.
A costumeira adoração ao Santíssimo foi feita, após a Missa, por pequenos
grupos de fiéis que se revezaram de hora em hora, até às quinze horas, quando, no
carro de Brasil Trindade, cuidadosamente ornado com sedas e rosas dos jardins
rio-contenses, com o ostensório alteado num altar sob um dossel, seguiu a solene
e melancólica travessia. Ao lado do altar, cujas cortinas tremulavam ao ritmo da
brisa vespertina, os padres Rinaldo, Antônio Carlos e Gonçalo Aranha fizeram guarda o
Santíssimo Sacramento. Foram doze quilômetros de percurso, incluindo os bairros
do
Sossego, Pirulito, Olaria, Sacavém, Vermelhão e DNOCS. Avenidas, ruas e
praças da cidade, jamais transitadas pela procissão, fervorosamente receberam a
augusta presença com palmas, vivas, pétalas de rosas, papel picado e fogos. Em frente
às casas ornamentadas, fiéis ajoelhados, com lágrimas nos olhos e preces nos
lábios, puderam rezar e ouvia-se nitidamente o som de pedidos de perdão e de
misericórdia, como de outros lábios se ouvia repetidos agradecimentos. As
máscaras cobrindo parte dos rostos diziam a todos que os dias estão marcados e
as vidas invadidas pela pandemia causada pelo novo coronavírus;no entanto, a
distância física observada apenas por parte dos moradores, oferecendo-lhes certo
risco, era como se contassem aos passantes que à festa de Corpus Christi nada se sobrepõe. Três equipes de auxiliares se
alternaram ao longo do percurso para garantir a dignidade da procissão e
honraria a Jesus Sacramentado. Cinco carros de apoio seguiram o cortejo conduzindo
as equipes nos respectivos intervalos de serviço. Pelas dezenove horas, já com
luz das lanternas que estavam acesas e no frio junino de Rio de Contas,o solene
cortejo chegou de volta às portas da igreja matriz. Incomparavelmente menor em
relação ao movimento habitual, mas numerosos em tempo de pandemia, os fiéis
estavam espalhados na grande praça como que querendo dizer boa noite ao Titular
que desde os meados do século XVIII guarda Rio de Contas e seus habitantes.
E assim, fizemos
a solenidade de Corpus Christi, sem
aglomeração, é verdade, mas com fé viva e devoção ardente, na firme convicção
que,em termos de amor e fé, a COVID-19 não pode conosco.
Padre Rinaldo Silva Pereira