HOMILIA DE DOM ARMANDO BUCCIOL NA FESTA DO BOM JESUS 2011


Taquari / Barra da Estiva, 06 de Agosto de 2011
SOLENIDADE DO Senhor Bom Jesus
Leituras: Dn 7,9-10.13-14; Sl 96 (97),1-2. 5-6. 9; 2Pd 1,16-19; Mt 17,1-9
HOMILIA
Saudações...
1.  Um dia um homem perguntou a Jesus: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna”? (Mc 10,17). A ele Jesus questionou: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom, só Deus”. Tratava-se de uma pessoa boa, observante de todos os mandamentos. E, porém, não teve a coragem de acolher totalmente a proposta de vida do bom Jesus e foi-se embora triste e, por isso, ficou anônimo na história de Jesus.
Esta página do evangelho nos ajuda para compreendermos melhor a palavra bom que a liturgia e a piedade popular aplicam a Jesus. Encontramos uma importante afirmação: Jesus é da família de Deus, Ele mostra o estilo de Deus, em seu rosto transparece a bondade do Pai; Ele é, de verdade, ‘a cara do Pai’!
Chamar a Jesus de bom, portanto, significa muita coisa. A todo ano, nesta bonita celebração, estamos procurando descobrir um traço deste rosto visível do Deus invisível, gerado antes de toda criatura, que se tornou humano e veio morar entre nós.
2.  A PALAVRA de Deus hoje proclamada é da festa da Transfiguração do Senhor que hoje a Igreja celebra. Com os três apóstolos (Evangelho) nós também subimos a montanha. Aqui contemplamos Jesus que “manifesta a sua glória e faz resplandecer seu corpo igual ao nosso, para que os apóstolos não se escandalizassem da cruz”; Ele é “o Filho amado no qual o Pai põe seu bem-querer” (prefácio). Nele os discípulos encontram a “lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã” (II leitura). É Ele o ‘filho do homem’ que recebeu ‘poder, glória e realeza’, um poder eterno que não lhe será tirado’, como afirmou o profeta Daniel (I leitura).
3. À luz da Palavra, quero propor duas reflexões, começando com duas perguntas:
a) Por que Jesus é bom? Em que consiste sua bondade? Ou - se quisermos - como Jesus manifesta e vive a bondade?
b) Esta primeira pergunta abre para uma segunda: nós, seguidores de Jesus, como ser hoje pessoas boas segundo o exemplo e o ensinamento que Ele nos deu?
a) Nós, de costume, consideramos boa a pessoa que não ofende a ninguém, disponível em ajudar, que evita contestações e brigas, é amável e generosa, suporta as provações da vida com ânimo firme, é sincera, respeita os mais velhos, obedece aos pais e mestres, participa – ao menos de vez em quando – da sua Comunidade religiosa (seja qual for), ‘ama a si mesma’, zela pela natureza, perdoa também, (ao menos até certo ponto) etc.
Tudo isso, sem dúvida, faz parte da bondade de uma pessoa. Jesus mesmo foi tudo isso e ensinou estas qualidades. Mas... os evangelhos nos apresentam outros traços da pessoa de Jesus que revelam e pedem uma bondade maior. Só algumas traços. Ele, que era Deus, escolhe nascer pobre e viver numa região da periferia do império; vive humilde e simples sem chamar a atenção sobre si; escolhe como amigos homens que não tinham importância social; entrou em choque com o poder constituído – religioso e civil – por que – assim o acusavam - não observava ao pé da letra as prescrições da Lei que os mestres, ao contrário, apontavam como ‘caminho de salvação’; partilhava sua vida – demais segundo as autoridades - com pessoas julgadas ‘impuras’ e por isso, desprezíveis e que devia ser evitadas; Ele, ao contrário, acolhe e procura prostitutas, exatores de impostos, leprosos e doentes; enfim, todos que o povo considerava indignos de Deus. Ainda mais: este Jesus não suportava mentira e hipocrisia, exploração e discriminações; ficou bravo um dia vendo que o culto mesmo era usado com finalidades ambíguas, de lucro e de poder. E falava na cara, sem medo, em nome de um Deus diferente a quem chamava de Pai e com o qual mantinha relacionamentos de extrema intimidade.
Estes poucos traços são suficientes para compreendermos que a pessoa de Jesus era de alguém que tinha um projeto de bondade diferente dos filósofos antigos ou do jeito tradicional; uma proposta de vida bem diferente do tipo “todos gostam de mim”. De fato, nem todos gostaram dEle ao ponto que, unânimes, o condenaram ou abandonaram. E Ele enfrentou torturas, escárnios, abandono, dor e desprezo de maneira corajosa, firme, confiante, sabendo que este era o estilo de Deus, se Ele comportava assim era pelo fato deste ser o modo de Deus amar e querer.
b) Então, eis que o jeito de Jesus ser bom questiona nossa maneira de ver e viver a bondade. Jesus foi um homem plenamente humano (‘tão humano que só Deus podia ser assim’ alguém observou!).
Sua bondade, porém, não tem nada do bonzinho, de quem aceita qualquer coisa para não desagradar, sobretudo quando colocaria em cheque sua humana reputação. Jesus escolhe uma vida humilde, pobre, simples, despojada, aberta a todos sem discriminações, solidária com os mais desprezados e humilhados. Por isso, Ele também, é considerado um pecador e suas ações de cura tachadas de ser obra do diabo: como pode, alguém que se declara da família de Deus, ‘transgredir a Lei’? Deste não pode sair nada de bom! E, além do mais, Ele partilhava demais sua vida com os pecadores, observavam, e muitas outras acusações, faziam contra Ele! Por isso, Jesus precisou se defender dos ataques duros das autoridades, como, também, questionava, respondia, denunciava.
Tudo isso – afirmam os evangelhos – nasce de um coração que ama. Trata-se – insisto - de um amor maduro e forte, sem sentimentalismos e interesses, que sabe dar um nome aos problemas, que chama em causa os responsáveis, aponta modos diferentes e coerentes de encarar a vida e fazer escolhas.
Um texto do documento de Aparecida (n. 543) nos alerta: “Uma autêntica evangelização dos nossos povos envolve assumir plenamente a radicalidade do amor cristão, que se concretiza no seguimento de Cristo na Cruz; no padecer por Cristo por causa da justiça; no perdão e no amor aos inimigos. Esse amor supera o amor humano e participa do amor divino, único eixo cultural capaz de construir uma cultura da vida... Evangelizar sobre o amor de plena doação, como solução ao conflito, deve ser p eixo cultural “radical” de uma nova sociedade”.
Então, eis que a bondade de uma pessoa se torna verdadeira quando não foge dos desafios da vida. Ao contrário, a bondade consiste em ter amadurecido atitudes, escolhas, comportamentos repletos destes valores e ideais que constroem vida justa e digna para todos – o que é o contrário da ‘proposta de vida’ impregnada de materialismo, hedonismo, superficialidade, individualismo ... fazendo algumas ‘obras de bondade’ mais para tranquilizar a consciência do que para seguir o evangelho do Senhor.
Ainda o documento de Aparecida escreve: “Os discípulos e missionários de Cristo promovem uma cultura do compartilhar em todos os níveis, em contraposição à cultura dominante de acumulação egoísta, assumindo com seriedade a virtude da pobreza como estilo de vida sóbrio para ir ao encontro e ajudar as necessidades dos irmãos que vivem na indigência” (n. 540).
4. Estas palavras nos introduzem para refletirmos num outro aspecto que queria brevemente destacar. Refiro-me à EUCARISTIA, sinal vivo deste amor de Jesus que na celebração atualizamos para que, fazendo memória do amor do Senhor, sejamos nós também, capazes de andar, com e como Ele, pelo mesmo caminho.
A Eucaristia constrói a Igreja”, como comunidade fraterna, unida, perdoada e – por isso – capaz de difundir o perdão, a misericórdia e a união entre os diferentes. Igreja sinal do projeto de Deus e seu instrumento; Igreja presença viva de Cristo no mundo, Igreja que acolhe, procura os dispersos e afastados; Igreja que não condena a ninguém, semeia esperança, infunde força nos momentos difíceis, acolhe os dons de Deus e os partilha com os demais.
Esta a Igreja que sempre sonhei e pela qual engajei minha vida. Este o caminho de vida pelo qual hoje queremos reafirmar nosso empenho, confiante e decidido. O bom Jesus nos ensina, nos sustenta e anima, caminha à nossa frente e dentro de nós. Então, sem medo, continuemos nossa caminhada, renovemos diante do bom Jesus nossa decisão batismal. A Eucaristia que celebramos nos dá nova força, novo vigor na caminhada rumo à santidade, isto é, à vida de Cristo em nós.