A ÉTICA FUNDAMENTAL

Mário Ferreira Santos
Pensando na cultural desconsideração que o currículo e as pesquisas acadêmicas dão a produção filosófica no Brasil. Exponho parte de uma das mais de 50 obras de um dos maiores filósofos brasileiros: Mário Ferreira dos Santos. Neste livro supracitado o autor expõe a insuficiência da ainda unânime ideia que o objeto material da ética é o ato humano e o formal a moralidade do ato. Mário certamente não exclui, ao contrário utiliza do ato e da moralidade deste em sua pesquisa. No entanto, para ele, o objeto material da ética encontra-se no âmago profundo e próprio do humano, a saber: o dever-ser. Quanto ao formal defende que seja a atividade humana em relação ao que é conveniente ou não à sua natureza o que decorre necessariamente do dever-ser.
Em primeiro lugar tudo o que não contradiz o ser é possível. Sobre isto Mário escreve na Filosofia Concreta. Segue-se, portanto que o homem, enquanto ser, pode, no que diz respeito à possibilidade, realizar ações que o prejudicam, pois a escolha como ato da vontade e da liberdade confere-lhe isto. No entanto, apesar disto, o homem possui uma finalidade que para ser cumprida plenamente necessita de uma deliberação para o que corresponde melhor a sua natureza. “Há, assim, um podia ser que, sendo, seria melhor do que não sendo”. (SANTOS, 1964, p. 109).
Mário retoma três aspectos importantes da natureza. Na ordem físico-química há leis “infrustráveis e incoercíveis” que só não ocorrem na presença de outra força que os impeça. A água tende a se esparramar, mas neste caminho encontra formas que a contenha, no entanto isto ocorre na harmonia que há entre as leis particulares e universais deste campo. 
No campo da biologia e da botânica as leis encontram gradações de frustabilidade, seja por causas intrínsecas, uma árvore estéril, um animal deficiente, anomalias, ou extrínsecas, seca, se o animal é devorado. Mas observamos nestes casos que ainda assim o ser tende a sua realização.
Quanto ao campo antropológico no ser humano, apesar de também haver leis incoercíveis estas podem ser totalmente frustradas. Isto porque a sua natureza é dada esta possibilidade. Apesar disto há um dever-ser humano e isto é o que busca a ética. Este dever-se é o que permite ao homem cumprir sua finalidade, assim como é finalidade da árvore frutífera produzir frutos.
Isto é próprio da ordem do ser do homem. No seu atuar, e aqui cabe dizer que para Mário o atuar também é o atualizar do ser, o homem percebe-se mutável e temporal (finito). Assim em seu preferir ou preterir ele cria, julga a avalia valores. Tais valores estão presentes em toda a realidade de sua na relação consigo e externamente. Não obstante seja mutável é possível perceber certa ordem de similaridade nas mais diversas culturas, este é o dever-ser captado mais facilmente. Entretanto só por um debruçar filosófico que considere ontológica e antropologicamente o homem chega-se ao dever-ser, tanto amplo quanto restrito, que considere os valores enquanto valores humanos.
Mário defende que o dever-ser revela-se como o tem-de-ser de cada entidade e, considerando o homem, pode-se encontrá-lo ante quatro campos, a saber: ante si mesmo: como corpo e espírito; ante seu semelhante: como indivíduo, como coletividade; ante o ecológico: regional e geral; ante o que lhe é transcendente. (SANTOS, 1964).
Isto posto Mário passa aos corolários do dever-ser. Sendo que todo ser tem uma finalidade, possui um dever-ser e o tem porque ainda não o é totalmente.  O ser supremo, ao contrário não tende-ser já o é na eternidade.
Mas, se no homem há um dever-ser totalmente frustrável, qual a razão de um estudo ético sobre o dever-ser? O dever-ser é ontológico, corresponde à natureza quanto aos possíveis que devem ser e não os possíveis em geral. O possível que deve-ser da mãe é cuidar do filho, se isto não ocorre é devido à frustabilidade, o que não elimina a possibilidade primeira e que corresponde a finalidade ao contrário da segunda.
A Ética então estuda além do dever-ser em si os limites naturais de sua realização ou de sua aplicação. Como disciplina filosófica, esta tem por objeto formal a atividade humana em relação ao que é conveniente ou não à sua natureza. Daí segue-se que o critério é antes de tudo ontológico.
Mário, no entanto, defende o atrelamento da ética e da moral. Uma não será suficiente sem a outra. O que ocorre com frequência é a confusão entre elas por não distingui-las claramente. Por isso Mário faz com nitidez e segurança a distinção entre as duas.
A moral diz respeito aos costumes presentes em qualquer sociedade. Ela objetiva aplicar o que é ético, mas varia. A ética, no entanto, é invariável de tal modo que a partir do conhecimento claro do dever-ser, poderá se evitar os erros da moral.
            Mário entende a crise de valores como uma crise moral, pois a ética é invariável e esta crise aprofunda-se pela falta de clareza na distinção entre as duas. Quer a sociedade definir como éticos atos que são morais, como por exemplo, o aborto.  Contudo a moral deve continuar variável, pois há princípios que se repetem em todos os povos, mas há aqueles que estão de acordo às conveniências da organização social e das tensões geradas no concreto de um grupo.
A liberdade é uma norma ética, mas o modo como se interpreta segundo a conveniência será uma regra moral. Assim os erros são morais. Segue-se que a ação não é boa ou má, em si. Ela apenas existe, se dá. A ética está nos valores que emprestamos ou damos a ação.
            Caso queiram saber mais sobre este filósofo alguns de seus livros estão disponíveis em sebos, dentre estes o que fundamenta sua obra foi republicado pela editora Érealizações e é possível comprá-lo no site: www.erealizacoes.com.br. Bons estudos!

Adriano Bonfim

1º Teologia

SANTOS, Mário Ferreira. Sociologia fundamental e Ética fundamental. São Paulo: Logos, 1964.