Estamos refletindo sobre o Ano Litúrgico. Para compreender melhor
o assunto, depois de ter visto o sentido do ‘tempo-que-passa’ e a dimensão
tempo em nossa vida humana, vamos ver o que na Bíblia se diz a respeito da dimensão ‘tempo’.
1. Dentro do Antigo
Testamento encontramos várias idéias a esse respeito. Mas sobressaem
estes dois aspectos:
a) O Tempo
cósmico, aquele regulado pelos ciclos da natureza, ritmado pelas festas
agrícolas e associado ao ritmo dos astros (cf. Ecl. 1,9; 3 etc.);
b) OTempo
histórico, visto como tempo
da manifestação de Deus! Os profetas anunciam una nova presença de Deus na
história e convidam o povo à conversão. Assim, não só o passado - memória do
que o Senhor fez - chama a atenção do Povo de Deus, mas também o futuro; os
dois apontando para o hoje: “o
momento presente a partir do qual é considerada toda experiência humana” (M. Augé).
2. O Novo Testamento apresenta uma visão
linear da história; nela se realiza gradualmente o projeto divino de salvação:
Cristo é o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o princípio e o fim
[da história] (Ap 22,1; 1,8). A morte e ressurreição de Jesus faz do kronos [tempo ‘cronológico’, medido pelo
relógio e demais instrumentos],um kairós [um
momento salvífico, da presença e experiência de Deus].
A plenitude dos
tempos (cf. Gal 4,4) se dá quando a promessa se torna realidade e o anúncio
se cumpre: Deus mesmo entra na história; um novo tempo começa, isto é, o
cumprimento e ao mesmo tempo uma nova promessa de plenitude. Com Jesus, o “tempo
de Deus” entra no “tempo dos homens” e, desse modo, esse se torna‘tempo de
salvação’.
A vinda de Cristo, o primogênito de uma nova humanidade (Cl
1,15.18; Ap 1,5) revela uma nova presença de Deus na história e oferece a
possibilidade de alcançar novos céus e
nova terra, a plenitude da vida, ponto final da história humana.
3. O tempo litúrgico. O calendário
litúrgico em Israel recorda os compromissos com Deus. O dia inicia e termina com os sacrifícios (cf. Ex 29,38-42); a semana tem no sábado seu ponto alto (cf. Ex 20,8-11; Gn 2,3); o mês é marcado pelos sacrifícios dos
novilúnios (cf. Num 28, 11 -14); o ano
pelas três grandes festas: Páscoa –
Ázimos, na primavera; as Semanas,
no início do verão; e a festa dos Tabernáculos,
no outono (cf. Ex 23, 14-17; Lv 23,4-44; Dt 16,1-16). Temos, ainda, o ano sabático, a cada semana de anos, e o
ano jubilar, a cada sete vezes, sete
anos mais um: é o ano do perdão universal das dívidas.
Componente especial que em Israel dá sentido ao tempo é a Palavra divina: ela explica
os acontecimentos da história segundo o projeto de Deus e julga o
comportamento humano.
Na compreensão do povo
da Bíblia, o tempo litúrgico tem a
função de ritualizar o tempo
histórico-salvífico e, desse modo, tornar atuais as passadas intervenções
de Deus, a sua bondade e o seu amor. Ao mesmo tempo, o ‘tempo da liturgia’ abre
a história para o futuro, revelando o sentido último dos acontecimentos
comemorados. Para os cristãos, Jesus é o ponto de chegada rumo à plenitude do
projeto salvífico de Deus. Por isso, Cristo torna-se para os cristãos a festa da Igreja.
De fato, na visão
cristã da história, o tempo de
Israel era somente sombra do que
havia de vir (Cl 2,16; Gl 4,10). Por isso, enquanto no início de sua
caminhada os cristãos frequentavam o templo, aos poucos,
foram se afastando. O calendário litúrgico da Igreja surgirá pouco a pouco, com
características próprias, mas a partir dessa matriz hebraica.
Dom Armando