Minha
reflexão litúrgica continua sobre as leituras bíblicas que o Ritual apresenta para
a celebração do sacramento do Matrimônio.
Hoje,
pretendo examinar os textos paralelos de Mateus
19,3-6 e Marcos 10,6-9. Jesus responde a um ambíguo questionamento feito
por alguns fariseus a respeito da possibilidade do divórcio; Ele reafirma a
indissolubilidade do laço matrimonial, porque esse é o projeto inicial de Deus (cf.
Gn 1,27); portanto, o que Deus uniu, o
homem não separe. Desse modo, Jesus corta a discussão, que existia na época,
a respeito das motivações para conceder o divórcio, que, de fato, era praxe
normal.
A
palavra de Jesus deve ser compreendida dentro de uma cultura divorcista e
machista. Uma mulher repudiada tinha como única opção retornar à casa dos pais,
repleta de vergonha, ou se prostituir. A proibição do divórcio era, por
conseguinte, uma firme defesa da mulher contra essa arma usada para mantê-la
submissa ao homem e, dessa forma, ofendendo o projeto inicial do Criador da fundamental
igualdade entre homem e mulher.
Em
Mateus, encontramos uma palavra que continua causando longas discussões entre
os estudiosos. O evangelista apresenta uma exceção em que pode acontecer o
divórcio: ‘em caso de fornicação’ (no
grego porneia), palavra de difícil interpretação
e interpretada de diferente maneira. O que a palavra do Senhor quer destacar é
a grande importância do vínculo matrimonial, fundamentada na fidelidade do Criador.
Por isso, a celebração desse sacramento pede maturidade humana, profundo
conhecimento recíproco e compreensão do sentido com que a fé da Igreja propõe a
celebração, fundamentada na fidelidade de Deus com a humanidade e de Jesus com
a Igreja.
No
limitado espaço de um artigo, não dá para aprofundar todos os assuntos ligados
a essa exigência evangélica. Mas, sem julgar escolhas de vida diferentes, e avaliando
as dificuldades da vida conjugal e familiar, para casar no Senhor é preciso que os dois compreendam o sentido desse empenho
público e eclesial. Somente acolhendo os valores evangélicos dentro de uma experiência
de fé, a celebração do matrimônio adquire seu sentido. A fé deve andar de
braços dados com uma vida bastante serena, que se alimenta constantemente às
fontes da vida cristã, para superar as dificuldades e os desafios da vida cotidiana,
tantas vezes, agitada e exigente. A força da graça, porém, nunca faltará aos
que – juntos – se alimentam com a oração, a participação à vida eclesial e
aprendem a dialogar com liberdade e confiança, com amizade e sinceridade.
A palavra de Jesus, que também aos ouvidos dos discípulos
pareceu de difícil aceitação, continua questionando e desafiando. Mas,
numerosos casais cristãos continuam testemunhando que é possível se amar no Senhor, apesar das fadigas, e viver
na fidelidade, alimentando o recíproco amor, frágil flor que, para reflorescer
vicejante e bonita a cada dia, pede numerosos cuidados.
A
todos os casais que acreditam na palavra do Senhor, desejo que hoje, mais uma
vez, olhos nos olhos, consigam renovar o amor que um dia foi abençoado e marcado
com o sigilo do amor divino.
Dom Armando