Leia também o artigo que Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Arcebispo de Belo Horizonte
(MG), escreveu sobre o projeto de emenda constitucional (PEC 241).
O compromisso de
emendar o Brasil é muito mais do que simplesmente aprovar um projeto de emenda
constitucional. É tarefa complexa. Nessa missão, a Constituição Brasileira,
chamada de Constituição Cidadã, foi uma conquista decisiva. Agora, a grande
emenda que se espera precisa ocorrer no tecido político-cultural do país. Há de
vir com a superação das condutas egoístas que buscam perpetuar privilégios,
exceções e facilidades, gestos e posturas que acirram preconceitos e cenários
de discriminação. Quando se nomeia a Constituição de 1988 como “cidadã”,
salienta-se, justamente, o alcance, naquele momento, de qualificado avanço na sensibilidade
e no compromisso social. Naquela ocasião, a busca por uma sociedade
igualitária ganhou prerrogativas de uma meta insubstituível, com o bem do povo
acima dos interesses das instituições todas. Por isso, emendar o Brasil é
urgência, mas essa tarefa exige que não se prejudique as conquistas cidadãs da
Constituição.
A verdadeira emenda
deve ser capaz de configurar os funcionamentos governamentais e de outras
instituições para torná-los instrumentos capazes de eliminar certas dinâmicas
produtoras de exclusão social. Processos que só servem aos interesses de
pequenos grupos detentores do poder econômico. Nesse sentido, quando se fala em
“emendar o Brasil” na perspectiva fiscal, por exemplo, não é possível tratar,
igualmente, ricos e pobres. Inteligente e nobre é ter a coragem de encontrar
intervenções capazes de gerar mais avanços e conquistas no âmbito dos direitos
sociais. Assim, emendar o Brasil não pode ser simplesmente a proposição
estática de um congelamento dos gastos públicos, sem garantias de que essa
medida preservará os direitos fundamentais de todos, particularmente dos que
mais sofrem. Há incredulidade e desconfiança a respeito da sensibilidade social
da classe política e, assim, decisão tão impactante não pode se restringir
apenas aos que têm demonstrado falta de competência para o diálogo. Por isso, o
primeiro passo para emendar o Brasil é recuperar o verdadeiro fundamento e
finalidade da comunidade política: o povo.
Não é correto decidir
um projeto de emenda constitucional, como a PEC 241, sem mensurar as
consequências todas. Exige-se mais lucidez para regular a máquina pública,
extirpando, primeiramente, privilégios e regalias de uma sociedade desigual.
Esse processo requer também a disciplina para não se gastar mais do que se
arrecada e o compromisso de discernir prioridades, considerando, sobretudo, as
necessidades do povo. Fundamental é superar as dinâmicas viciadas da
organização social e política no Brasil que geram clara divisão: de um lado, os
poucos privilegiados e, do outro, o grande contingente de excluídos. Essa é uma
urgência e a essência para se viver uma evolução civilizatória no país. Porém,
para que o Brasil avance, a classe política, no Executivo e no Legislativo,
precisa considerar a dignidade humana como fundamento e finalidade.
Nesse sentido, torna-se
possível reconhecer como tarefa prioritária dos políticos ouvir os diferentes
segmentos da sociedade e jamais excluir a participação popular. Também deve ser
compromisso evitar a intervenção pública fora dos parâmetros da equidade,
racionalidade e eficiência. Evidentemente, o Estado não suporta o crescimento
excessivo de seus aparatos, principalmente quando esse processo é guiado por
lógicas burocráticas pouco criativas, pois a conta é sempre paga pelos mais
pobres. A arrecadação fiscal e a despesa pública são questões econômicas
fundamentais para qualquer comunidade civil e política. Mas, na contramão da
proposta de emendar o Brasil com um projeto que, no horizonte, cega o
compromisso com o social, particularmente com a educação e a saúde, os
políticos e governantes, principalmente, têm que assumir um desfio: encontrar a
saída para fazer da finança pública instrumento de desenvolvimento e de
solidariedade.
Como bem sublinha a
Doutrina Social da Igreja Católica, a exigência é o pensar inteligente, com
sensibilidade social, para estabelecer uma finança pública eficiente,
equitativa, eficaz, geradora de empregos, capaz de amparar as atividades
empresariais e as iniciativas sem fins lucrativos, fazendo com que o Estado reconquiste
sua credibilidade, pela garantia de sistemas de previdência e proteção social,
destinados especialmente aos excluídos. Não há outro caminho para emendar
o Brasil.
Fonte: www.cnbb.org.br