A aspersão
Hoje, vamos refletir a respeito
de um gesto, repleto de sentidos, que acompanha – ou pode acompanhar – as
celebrações litúrgicas e a piedade popular. Trata-se da aspersão com água benta. Na Liturgia, sobretudo na celebração da
Eucaristia dos domingos do Tempo Pascal, a aspersão substitui o ato
penitencial. É gesto que recorda o Batismo; é como um pedido a Deus que renove
a graça da vida em Cristo recebida naquele dia. Quem preside a celebração,
depois de ter invocado a bênção sobre a água, asperge-se a si mesmo, aos
ministros que estão ao redor do altar, depois abençoa com a água todos os
fiéis, enquanto o povo canta um cântico batismal.
Recebemos esse gesto da Liturgia
dos séculos passados e a reforma pós-conciliar convida a fazê-lo não só nas
solenidades, mas mais frequentemente e com maior expressividade. O missal, no
final, oferece três formulários de bênção.
A palavra aspersão vem do verbo latim aspergere,
isto é, espalhar um líquido. É
sinal de purificação e recorda o que se lê no Salmo 51/50,4.9: “Lava-me de toda
a minha culpa, e purifica-me de meu pecado... Purifica-me com hissopo e ficarei
puro; lava-me e ficarei mais branco do que a neve”. O profeta Ezequiel (36,25)
recorda a promessa do Senhor ao seu povo: “Derramarei sobre vós água pura e
sereis purificados”. Aspergir vem da história das religiões. A nossa tradição
vem do povo de Israel que costumava aspergir também com sangue. Em Ex 24,8, se
lê que Moisés asperge com sangue o povo e o altar para selar a Aliança entre o
Senhor e o povo de Israel. Em Hb 10,22, se encontra o sentido desse gesto:
“Aproximemo-nos (do Santuário) de coração sincero e cheio de fé, com o coração
purificado de toda a má consciência e o corpo lavado com água pura”.
Na cultura e religiosidade
popular, o gesto de aspergir com água tem um sentido muito íntimo, às vezes, com
nuances de magia. Tantas pessoas procuram a bênção e a aspersão para sentir
proteção contra o mal ou os males que afetam sua vida, como um simbólico exorcismo.
É oportuno que os pastores ajudem a compreender que toda bênção vêm do “Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo que nos abençoou com toda bênção espiritual nos céus,
em Cristo” (Ef 1,3).
A Igreja usa, mas sem abusar, da
aspersão. Essa aparece, de maneira significativa, no rito da bênção e,
sobretudo, de dedicação de uma Igreja. Nessa ocasião, escreve o Ritual, “o bispo asperge o povo, que é o
templo espiritual, e asperge também as paredes da igreja e o altar”. A bênção
com água é dada, também, a objetos, ex. o terço, edifícios, ramos, campos etc.
A finalidade é definida pelo Ritual de
bênçãos (26d): “para que (os fiéis) recordem o Mistério Pascal de Cristo e
renovem a fé do Batismo”. Enfim, o Rito das exéquias pede que seja dada a
bênção ao féretro do falecido em recordação de seu Batismo.
A mais solene aspersão acontece
na Vigília pascal. Depois de ter abençoado a água, quem preside, asperge com
ela a Assembleia, dizendo: “Por meio desta água renovai em nós a fonte viva da
vossa graça... reavivai em nós a recordação e a graça do Batismo, nossa
primeira Páscoa”.
Vivamos esse gesto tão singelo em
espírito de verdadeira fé. Toda vez, esse gesto nos faz mergulhar nas águas que
nos tornaram cristãos. Lembrando-nos do sentido e dos valores de vida nova que
recebemos no Batismo, encontraremos forças para vivermos com mais fé e amor.
Dom Armando