Amado, amada de Deus, consagrado, consagrada do Reino,
Tenho sede!
Tenho sede!
No clássico da literatura universal,
Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, há uma cena em que Alice
está perdida e, de repente, vê, no alto da árvore, um gato. Ela olha
para ele e diz:
- Alice: "Você pode me ajudar?"
- Gato: "Sim, pois não".
- Alice: "Para onde vai essa estrada?"
- Gato: "Para onde você quer ir?"
- Alice: "Eu não sei, estou perdida".
- Gato: "Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve".
Nesta mesma obra, em outra cena:
- Alice: “Onde fica a saída?"
- Gato: “Depende”.
- Alice: “De quê?”
- Gato: “Depende de para onde você quer ir”.
- Gato: "Sim, pois não".
- Alice: "Para onde vai essa estrada?"
- Gato: "Para onde você quer ir?"
- Alice: "Eu não sei, estou perdida".
- Gato: "Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve".
Nesta mesma obra, em outra cena:
- Alice: “Onde fica a saída?"
- Gato: “Depende”.
- Alice: “De quê?”
- Gato: “Depende de para onde você quer ir”.
Querido irmão, querida irmã, não é minha
intenção - não tenho este direito -, comparar a Vida Religiosa
Consagrada com Alice, com o gato, e nem com o fato de Alice estar
perdida. O que gostaria de dizer é que, nas encruzilhadas da vida, “se o
homem não sabe aonde quer chegar, qualquer direção parecerá certa”
(LaoTsé). E ainda mais: "nenhum vento sopra a favor de quem não sabe
para onde ir" (Sêneca). Dizia meu pároco, de saudosa memória: “o que
cansa não é a caminhada; é a pressa de chegar ou não querer chegar”.
Creio que muitos de nós já cantamos esta
linda canção: “Perdido, confuso, vazio, sozinho na estrada, tentando
encontrar um caminho que seja o meu, não importa se é duro, eu quero
buscar. Caminheiro, você sabe, não existe caminho. Passo a passo, pouco a
pouco e o caminho se faz.Iguais, são todos iguais, ninguém tem coragem
sequer de pensar. Será que ninguém é capaz de sentir esta vida e com ela
vibrar? Será que não vale a pena arriscar tudo, tudo e a vida
encontrar?” (Bendito B. Prado).
Andança, itinerância, mendicância,
provisoriedade, missionariedade. Errante, vagante; risco, desânimo,
solidão, desafio, perda, crise... Quem ainda não enfrentou tais
situações ou vivenciou tais estados de ânimo? Porém, tudo passa! Só Deus
basta! Sejamos firmes, fortes e fieis. “Os que confiam no Senhor são
como o monte de Sião: nunca se abala, está firme para sempre” (Sl
125,1). Quem assim age pode ser comparado a uma casa construída sobre a
rocha. Cai a chuva, vem a tempestade, sopra o vento e a casa não cai,
pois está firmemente alicerçada (cf. Mt 7,24). Ele precisa apenas do
nosso pedido: “permanece conosco, Senhor” (Lc 24,29).
Diante dos desafios, das dificuldades,
dos embates e dos combates que a Vida Consagrada enfrenta hoje, como de
resto, a própria Igreja, somos tentados a pensar que ela esteja em mar
bravio, com seu barco a deriva, sem timoneiro, sem horizonte, confusa,
na noite escura, sem perspectiva de um amanhecer banhado de sol. Quantas
vezes nos sentimos perdidos, como Alice no País das Maravilhas, à
espera de alguém que nos indique uma direção certa e segura.
No entanto, não nos esqueçamos: somos
discípulos e discípulas de Jesus! Em meio às tormentas da vida, jamais
podemos nos sentir perdidos como Alice! Cristo é nosso Amigo e nosso
Guia, nossa Força e nossa Rocha, nossa Esperança e nossa Alegria e nossa
certeza de Vitória. As dificuldades e as perseguições fazem parte de
quem se faz discípulo de Cristo. Elas são sinais que purificam o nosso
sim a Jesus.
A Vida Religiosa Consagrada é uma
caminhada bela e edificante. E, nesta caminhada, haverá de cruzar e
atravessar os umbrais do ponto focal, do ponto de partida e do ponto de
chegada. A Vida Religiosa Consagrada tem seus segredos, seus encantos e
suas paixões. O segredo da vocação à Vida Religiosa Consagrada está no
encantamento por Jesus, por sua Igreja e pelo seu povo. Ninguém segue
fielmente, por muito tempo, a alguém por quem não tenha encantamento. O
segredo da fidelidade na Vida Religiosa Consagrada está no encantamento
por Jesus, por sua pessoa, seu evangelho e seu projeto de vida.O segredo
do seguimento missionário do consagrado e da consagrada está no
encantamento pelo estilo e pelo modelo de vida missionária de Jesus. O
segredo da vida espiritual do consagrado e da consagrada está na
capacidade de se encantar ou se reencantar cada dia, de começar sempre
de novo, e partir, sem olhar para trás. O segredo da Vida Consagrada
está na fidelidade e na perseverança. Quem assim não vive, a chama da
vocação se apaga e a vida perde o seu sentido e vira fadiga e rotina.
Neste estado de ânimo, dificilmente uma vocação se manterá fiel e
perseverante à obra e à missão.
O papa Francisco, falando, recentemente,
aos seminaristas, aos noviços e às noviças, chamou-nos a atenção para
quatro pontos que consideramos fundamentais e inegociáveis para a vida e
missão da pessoa consagrada a Deus:
1. Fujam do perigo da cultura do
provisório:"eu não culpo vocês. Reprovo esta cultura do provisório que
não nos faz bem, pois, uma escolha definitiva hoje é muito difícil. Na
minha época era mais fácil, porque a cultura favorecia uma escolha
definitiva tanto para a vida matrimonial, quanto para a vida consagrada
ou sacerdotal, mas nesta época não é fácil uma escolha definitiva. Nós
somos vítimas desta cultura do provisório".
2. Sintam-se alegres por serem amados
e chamados por Deus:“ao nos chamar, Deus nos diz: “você é importante
para mim, eu te quero bem, conto contigo”. Entender isso é o segredo de
nossa alegria. Sentir-se amados por Deus, sentir que para Ele não somos
números, mas pessoas. Sentir que é Ele quem nos chama. Tornar-se
sacerdote, religioso e religiosa não é, antes de tudo, uma escolha
nossa, mas a resposta a um chamado e um chamado de amor".
3. Sigam o caminho do amadurecimento,
na paternidade e maternidade pastorais:"vocês, seminaristas e
religiosas, consagrem o seu amor a Jesus, um grande amor; o coração é
para Jesus. E isso nos leva a fazer o voto de castidade, o voto de
celibato. Mas os votos de castidade e do celibato não terminam no
momento dos votos, continuam. Quando um sacerdote não é pai de sua
comunidade, quando uma religiosa não é mãe de todos aqueles com os quais
trabalha, se tornam tristes. Este é o problema. A raiz da tristeza na
vida pastoral é a falta de paternidade e maternidade que vem da maneira
de viver mal esta consagração, que nos deve levar à fertilidade. Não se
pode pensar num sacerdote ou numa religiosa que não são fecundos. Isso
não é católico! Esta é a beleza da consagração: é a alegria, a alegria".
4. Sintam-se chamados a uma Igreja
missionária:"Deem sua contribuição em favor de uma Igreja assim: fiel ao
caminho que Jesus quer. Não aprendem conosco, que não somos mais
jovens; não aprendam conosco aquele esporte que nós, os velhos, muitas
vezes fazemos: o esporte da reclamação. Não aprendam conosco o culto da
reclamação. É uma deusa que se lamenta sempre. Sejam positivos, cultivem
a vida espiritual e, ao mesmo tempo, sejam capazes de encontrar as
pessoas, especialmente as desprezadas e desfavorecidas. Não tenham medo
de sair e caminhar contracorrente. Sejam contemplativos e
missionários...”
Caríssimo e caríssima, independente do
que vocês fazem, somente pelo modo de vocês viverem a especial
consagração a Deus e aos irmãos e irmãs, mais necessitados, vocês sempre
me provocaram admiração, encanto, fascínio, paixão e vontade de
imitá-los. Dentre tantos elementos que me fascinam, gostaria de destacar
alguns:
1. Nas congregações, nos conventos, nos
mosteiros, nas abadias, nas clausuras, nas casas de serviços e de
inserções, surgiram os maiores e os mais queridos santos e santas da
Igreja católica.
2. Nas universidades e faculdades, nos
colégios e nas escolas católicas, vocês formam os maiores e os melhores
teológos e teólogas, mestres e doutores que alimentam a vida com o sabor
e o saber do evangelho de Jesus Cristo.
3. Vocês vivem os mais ricos e os mais
bonitos estados de vida cristã: ativa, apostólica, mística, ascética,
monástica, contemplativa. Tudo isso através das duas mãos da
evangelização: a diaconia fraterna do serviço (Marta) e a diaconia da
oração e da contemplação (Maria).
4. Nos hospitais, nas creches, nos
orfanatos, nos pensionatos e nas outras modalidades das redes do amor
social, vocês geram ou transformam vidas, mentes e corações, curando
feridas, enxugando lágrimas, amenizando dores e cuidando dos sofrimentos
de muitos irmãos e irmãs que batem às portas das beneméritas
instituições de caridade cristã e de promoção social. Vocês vivem, em
primeira pessoa, o que muito bem disse Madre Teresa de Calcutá:“Aqueles
que ninguém quer, nós, cristãos, os queremos”.
5. Vocês, na Igreja católica, possuem os
melhores e mais bonitos modelos de vida fraterna: tudo em comum, num só
coração e numa só alma. A exemplo das primeiras comunidades cristãs,
entre vocês ninguém passa necessidade (cf. At 4,32s).
6. Vocês preparam os melhores mestres em
espiritualidade, os maiores místicos, missionários e mártires, que
derramam seu sangue e dão suas vidas em resgate de muitos, como fez
Jesus.
7. Vocês vivem, com corações indivisos, os maiores conselhos evangélicos: a obediência, a pobreza e a castidade.
8. Vocês vivem a forma multifacetária da
vida cristã: homem e mulher; vocações laical, missionária, religiosa,
especial consagração; papa, bispos, padres, diáconos, irmãos, irmãs,
leigos e leigas...
Mas, como disse Jesus, a quem muito é
dado, muito será exigido. Vocês estão pagando preço muito alto, por
causa das ousadias e das audácias missionária, evangelizadora e
apostólica (cf. DAp 273,549, 552). No momento atual vocês estão
atravessando mares bravios. Entre estes, destacamos apenas dois que
estão na origem dos demais desafios: a diminuição das vocações à Vida
Religiosa Consagrada tradicional e o aumento das vocações às novas
formas de vida consagrada.
Por fim, caro amigo, cara amiga,
aceitem, de bom grado, o convite de Aparecida (551): “levemos nossos
navios mar adentro, com o poderoso sopro do Espírito Santo, sem medo das
tormentas, seguros de que a Providência de Deus nos proporcionará
grandes surpresas”. Amém!
“Amo a todos vocês no Cristo Jesus” (1Cor 16,24).
Deus os/as abençoem!
Brasília, 19 de julho de 2013
Encerramento da AG da CRB.
Dom Pedro Brito Guimarães,
Arcebispo de Palmas e
Presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada
fonte: www.cnnbb.com.br