At
2,14a.36-41
Salmo
22 (23)
1Pd
2,20b-25
Jo
10,1-10
O quarto domingo pascal é conhecido, na
pastoral, como o domingo do Bom Pastor. A oração do dia é inspirada por esse
tema (a fraqueza/fragilidade do rebanho e a fortaleza do Pastor). Porém, desde
a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, o conjunto literário do “Bom
Pastor”, no Evangelho de João, foi repartido pelos três anos do ciclo, A, B e C.
Neste ano A, a leitura do evangelho não apresenta, propriamente, a parábola do
Bom Pastor (Jo 10,11-18, evangelho do ano B), e sim o trecho anterior, a
parábola da porta e dos pastores (Jo 10,1-10). Essa parábola dá ensejo à
exploração de outros temas que não os tradicionais, para que, segundo o desejo
do concílio, seja “ricamente servida” a mesa da Palavra.
A primeira leitura é a continuação da
pregação missionária de Pedro que já ouvimos no domingo anterior. Apresenta-se
o querigma cristão e a conversão, o que combina bem com o espírito da Páscoa
como celebração do batismo. Pedro conscientiza os judeus de Jerusalém de que
Jesus, rejeitado e morto por eles, foi por Deus constituído Senhor e Cristo (v.
36). Essa pregação provoca o arrependimento (metanoia) no coração dos ouvintes:
convertem-se e aderem ao círculo dos discípulos (v. 37-41). O povo de Israel é
agora obrigado a optar, e não só Israel, mas também os que o Senhor chamou “de
longe”, os não israelitas (v. 39; cf. Is 57,19). Parte da população de
Jerusalém se converte, então, àquilo que Pedro anunciou. Essa conversão pode
reter, hoje, a nossa atenção. É o protótipo da adesão à Igreja em todos os
tempos. Nós estamos acostumados a nascer já batizados, por assim dizer. Mas
isso não quer dizer que nos tenhamos convertido para aderir a Cristo na sua
Igreja. Pensemos naquela multidão que, pouco antes, desconhecia ou até
desprezava o caminho e a atitude de Jesus de Nazaré e, ativa ou passivamente,
havia concordado com sua crucifixão. Agora que Pedro, pela força do Espírito,
lhes mostra que essa vida (de Jesus) foi certa e por Deus coroada, eles deixam
acontecer no seu coração a verdadeira metanoia, a “revirada” do
coração. Em virtude daquilo que lhes foi pregado a respeito do Cristo, mudam
sua maneira de ver, sua escala de valores. Essa metanoia é o passar
pela porta que é Cristo, como diz o evangelho, o recusar-se a ladrões e
assaltantes, que se apresentam sem passar por ele. É aderir a nada que não seja
conforme Cristo, marcado por sua vida e situado no seu caminho. Será que nós
fizemos essa conversão?
Pedro(2 leitura) ensina os que vivem na
condição de escravo ou servo (cf. 1Pd 2,18) a trilhar os passos de Jesus Cristo
pastor. Assemelhado ao Servo Padecente de Deus (cf. Is 52-53), Cristo deu, no
seu sofrer, o exemplo da paciência. A imagem das ovelhas perdidas, no v. 25,
corresponde à imagem do pastor, ao qual o rebanho se confia pelo batismo. Ele
nos abre o caminho certo: não o da violência opressora, mas o da justiça que,
para se provar verdadeira, não se recusa a sofrer.
O evangelho de hoje é a parábola da
porta do rebanho e dos pastores. No contexto anterior, a história do cego (Jo
9), os fariseus mostraram ser os verdadeiros cegos. Eles deveriam ser os
pastores de Israel, mas não o são. Em continuidade direta com esse episódio –
pois não há nenhuma nova indicação de cenário –, Jo 10 mostra quem não é e quem
é o verdadeiro pastor. Os vv. 1-5 narram uma parábola: a cena campestre do
redil comunitário, onde entram e saem os pastores e as ovelhas, mas onde também
entram, por vias escusas, os assaltantes, para roubar e matar. As autoridades
judaicas não entendem a parábola (v. 6), pois só entende quem crê em Cristo. Em
seguida, nos vv. 7-18, a parábola é explicada em dois sentidos: Jesus é a porta
(vv. 7-10), Jesus é o pastor (vv. 11-18). No trecho lido hoje, é apresentada a
parábola introdutória e a primeira explicação: Jesus Cristo é a porta. Por
ele, entram os pastores verdadeiros, por ele são conduzidas as ovelhas até os
prados onde encontrarão vida. Antes dele vieram pessoas que entravam e saíam,
não pela porta, mas por outro lugar: eram assaltantes, conduziam as ovelhas
para a perdição, para tirar-lhes a vida. Pouco importa quem sejam esses
assaltantes – Jesus parece pensar nos mestres judeus de seu tempo –, não os
devemos seguir. O que importa é a mensagem positiva: que passemos pela porta
que é Jesus Cristo. Só o caminho que passa por ele é válido. Essa porta se
situa, portanto, na comunidade dos fiéis a Cristo. Na comunidade que representa
o Cristo, depois da ressurreição, encontramos o que nos serve para sempre;
teremos o mesmo acesso ao Pai que os apóstolos encontraram na pessoa de Jesus
(cf. Jo 14,6-9). Jesus com a sua comunidade é a porta que dá acesso ao Pai.
Jesus dá acesso ao caminho da salvação tanto aos pastores, para entrarem,
quanto aos rebanhos, para saírem rumo às pastagens. Onde há vida, é por Cristo
que chegamos a ela (cf. Jo 14,6). O prefácio da Páscoa II (Cristo, nosso guia
para a vida nova) e a oração final (proteção e “prados eternos” para o rebanho)
dão continuidade a esse tema.
DICAS PARA REFLEXÃO: A salvação por meio
de Jesus
O tempo pascal é um tempo de reflexão
sobre a realidade de nosso batismo e de nossa fé. Ora, nosso batismo não é real
sem metanoia, sem mudança de caminho, para conscientemente passar por
Cristo. O batismo por conveniência não tem nada que ver com a conversão
implicada no batismo verdadeiro.
Conversão como reconhecimento do que
está errado e adesão a Cristo como escolha do caminho certo, eis o que nos propõe
a liturgia de hoje. Mas, apesar de certa austeridade nessas considerações,
temos também o testemunho da gratificação vital que essa conversão a Cristo nos
traz. No contexto em que vivemos, podemos, porém, fazer uma pergunta: a
salvação vem só por Cristo?
A parábola e sua primeira explicação
(Jesus, a Porta) nos ensinam que pastor, mesmo, é só quem passa através de
Jesus e faz o rebanho passar por ele. O sentido fundamental da pastoral é ir às
pessoas por Cristo e conduzi-las através dele ao verdadeiro bem. As maneiras
podem ser muitas: antigamente, talvez, usavam-se modos mais paternalistas;
hoje, modos mais participativos. Mas pode-se chamar de pastoral uma mera ação
social ou política? Por mais importante que seja, ainda não é, de per si, ação
pastoral cristã. Para ser pastoral cristã, a atuação precisa ser orientada pelo
projeto de Cristo, que ele nos revelou, dando sua vida por nós.
Nessa ótica, os pastores devem ir aos
fiéis (não aguardá-los de braços cruzados), através de Cristo (não através de
mera cultura ou ideologia), para conduzi-los a Deus (não apenas à instituição
que é a Igreja), fazendo-os passar por Cristo, ou seja, exigindo adesão à
prática de Cristo. Os fiéis devem discernir se seus pastores não são “ladrões e
assaltantes”, e o critério para discernir é este: se chegam através de Cristo e
fazem passar os fiéis por ele.
A julgar pelas palavras do Novo
Testamento, parece que toda a salvação passa por Cristo. Mas isso
deve ser entendido num sentido inclusivo, não exclusivo. Todo caminho que verdadeiramente
conduz a Deus, em qualquer religião e na vida de “todos aqueles que procuram de
coração sincero” (Oração Eucarística IV), passa, de fato, pela porta que é
Jesus. Dirigido, provavelmente, a pessoas que já aderiram à fé em Jesus, o
Evangelho de João ensina: não precisam procurar a salvação fora desse
caminho. Isso vale ser repetido para os cristãos de hoje. Por outro lado, não é
preciso que todos confessem o Cristo explicitamente para encontrar a
salvação. Basta que, nas opções da vida, optem pela prática que foi, de fato, a
de Cristo. Agir como Cristo é a salvação. E é a isso que a pastoral deve
conduzir.
Pe. Johan
Konings, sj
FONTE: vidapastoral.com.br