Na ‘Coluna
liturgia’ do nosso blog, estou propondo algumas idéias sobre a Liturgia das
Horas, a grande oração da Igreja. Continuando a reflexão a respeito dos Salmos,
vamos ver:
‘Como orar os Salmos
segundo a fé cristã’.
a) Antes de tudo, o Saltério se expressa
com uma linguagem fortemente humana,
parecida com a de outras culturas. Protagonista dos salmos é a pessoa comum. Tantas vezes, é uma pessoa que apresenta
uma humanidade bastante pobre, limitada, que vive na dor, na angústia, na
dúvida até que Deus escute de verdade e atenda aos pedidos; ouvimos a pessoa gemer
na provação da doença, no terror da morte e na escuridão do futuro, do além, ou
no aperto da perseguição, às vezes, até do fracasso sem esperança. Então, eis o
grito de dor explodir forte, desesperado, humano!
É difícil
encontrar uma coleção de orações que alcance uma experiência tão rica de vida. Alegria e reconhecimento, capacidade de admirar e
contemplar, dor e medo até à depressão, estouros de raiva, de ódio, com imprecações contra os inimigos (cf. Sl 137/136, 7-8 ou 139/ 138, 19-22): tudo é vivido com uma força que tem o sabor da
autenticidade e da universalidade, ao ponto que abraça o ser humano de todos os
tempos e lugares.
O ser
humano dos salmos – além dessas atitudes humanas – universais – tem duas
características:
Ø
É pessoa religiosa, que abre o livro de sua vida diante de
Deus. Lê todos os acontecimentos da vida tendo Deus como referência; também a
experiência da culpa e da infidelidade está presente.
Ø
De qualquer situação comecem, os salmos acabam
sendo sempre um apelo, um grito a Deus. Ensinam-nos a
transformar tudo em oração: Das
profundezas eu clamo para ti, Javé; Senhor, ouve o meu grito (Sl 130/129).
E o grito torna-se súplica, confiança, esperança.
De verdade,
os salmos são uma grande escola de oração! Ensinam-nos a sermos ‘verdadeiros’,
quando oramos, a tirar as máscaras para sermos nós mesmos! Convidam-nos para dizer a Deus, antes de tudo, a nossa vida,
seja qual for a escuridão das dúvidas, a angústia, a tentação ou o pecado.
Dizer a Deus o que somos, do interior de qualquer situação: este um primeiro
grande ensinamento dos salmos.
b) O coração que ora não se fecha em si
mesmo. Tem precisas ligações com uma comunidade, Israel. Nesta
“família de Deus”, neste clã, tem
também JHWH, como ‘chefe’ do mesmo.
Também quando alguém ora os salmos a só, sente-se membro
de uma comunidade, parte de uma única história de aliança. A pessoa que ora
os salmos, portanto, nunca está totalmente isolada; ela vive com todo o
seu povo, dentro da história da fidelidade de Deus. Por isso, quando algo
não dá certo, eis que o salmista, quase por um direito de família, por uma
ligação de parentesco com Deus a motivo da Aliança, grita a Ele para intervir,
para vir em auxílio e socorrer.
Acompanha o
saltério a consciência de ser o povo de Deus: “Eu serei o Deus de
vocês e vocês serão o meu povo” (Dt 7,6). Sobretudo, a grande experiência da
libertação do Egito, plasmou para sempre a visão religiosa desse povo singular.
A oração dos salmos é total e universalmente humana, mas, ao mesmo tempo, é o
espelho fiel de um povo e sua história única.
Quem vive,
na fé, uma relação profunda e sincera com Deus não se fecha na intimidade
individualista, mas se sente parte de um povo empenhado a construir sua
fidelidade com Deus nos acontecimentos cotidianos e em todos os seus
relacionamentos.
c) Destacamos, ainda, o fato que Jesus
mesmo orou os salmos! Tantas vezes- contam os evangelhos - Jesus orava com
os salmos[1]; os salmos
apontam para Ele e n’Ele encontram pleno sentido e realização. “Falavam d’Ele e
foram falados por Ele, vividos e rezados não só por si, mas por todos nós” (P.
Visentin). Quem tem fé em Jesus encontra nessa oração expressões muito
significativas e de acordo com a sua vida.
d) Enfim, orando os salmos como
cristãos, eles se tornam oração em união com toda a Igreja, com Cristo e
em Cristo, com as mesmas dimensões da oração de Jesus.
Dom Armando
[1] Cfr. Mt 4,6:
Sl 91/90, 11-12; Mt 5,8: Sl 24/23,3-4 e 11/10,7; Lc
13,27 (Mt 7,23): Sl 6,9 e 119/118,
115; Lc 20, 41-44: Sl 110/109,1; Lc 23, 46: Sl 31/30,6 etc.