LITURGIA DAS HORAS - VII

Na ‘Coluna liturgia’ do nosso blog, estou propondo algumas idéias sobre a Liturgia das Horas, a grande oração da Igreja. Continuando a reflexão a respeito dos Salmos, vamos ver:
Como orar os Salmos segundo a fé cristã’.
a) Antes de tudo, o Saltério se expressa com uma linguagem fortemente humana, parecida com a de outras culturas. Protagonista dos salmos é a pessoa comum. Tantas vezes, é uma pessoa que apresenta uma humanidade bastante pobre, limitada, que vive na dor, na angústia, na dúvida até que Deus escute de verdade e atenda aos pedidos; ouvimos a pessoa gemer na provação da doença, no terror da morte e na escuridão do futuro, do além, ou no aperto da perseguição, às vezes, até do fracasso sem esperança. Então, eis o grito de dor explodir forte, desesperado, humano!
É difícil encontrar uma coleção de orações que alcance uma experiência tão rica de vida. Alegria e reconhecimento, capacidade de admirar e contemplar, dor e medo até à depressão, estouros de raiva, de ódio, com imprecações contra os inimigos (cf. Sl 137/136, 7-8 ou 139/ 138, 19-22): tudo é vivido com uma força que tem o sabor da autenticidade e da universalidade, ao ponto que abraça o ser humano de todos os tempos e lugares.
O ser humano dos salmos – além dessas atitudes humanas – universais – tem duas características:
Ø É pessoa religiosa, que abre o livro de sua vida diante de Deus. Lê todos os acontecimentos da vida tendo Deus como referência; também a experiência da culpa e da infidelidade está presente.
Ø De qualquer situação comecem, os salmos acabam sendo sempre um apelo, um grito a Deus. En­sinam-nos a transformar tudo em oração: Das profundezas eu clamo para ti, Javé; Senhor, ouve o meu grito (Sl 130/129). E o grito torna-se súplica, confiança, esperança.
De verdade, os salmos são uma grande escola de oração! Ensinam-nos a sermos ‘verdadeiros’, quando oramos, a tirar as máscaras para sermos nós mesmos! Convidam-nos para dizer a Deus, antes de tudo, a nossa vida, seja qual for a escuridão das dúvidas, a angústia, a tentação ou o pecado. Dizer a Deus o que somos, do interior de qualquer situação: este um primeiro grande ensinamento dos salmos.
b) O coração que ora não se fecha em si mesmo. Tem precisas ligações com uma comunidade, Israel. Nesta “família de Deus”, neste clã, tem também JHWH, como ‘chefe’ do mesmo.
Também quando alguém ora os salmos a só, sente-se membro de uma comunidade, parte de uma única história de aliança. A pessoa que ora os salmos, portanto, nunca está totalmente isolada; ela vive com todo o seu povo, dentro da história da fidelidade de Deus. Por isso, quando algo não dá certo, eis que o salmista, quase por um direito de família, por uma ligação de parentesco com Deus a motivo da Aliança, grita a Ele para intervir, para vir em auxílio e socorrer.
Acompanha o saltério a consciência de ser o povo de Deus: “Eu serei o Deus de vocês e vocês serão o meu povo” (Dt 7,6). Sobretudo, a grande experiência da libertação do Egito, plasmou para sempre a visão religiosa desse povo singular. A oração dos salmos é total e universalmente humana, mas, ao mesmo tempo, é o espelho fiel de um povo e sua história única.
Quem vive, na fé, uma relação profunda e sincera com Deus não se fecha na intimidade individualista, mas se sente parte de um povo empenhado a construir sua fidelidade com Deus nos acontecimentos cotidianos e em todos os seus relacionamentos.
c) Destacamos, ainda, o fato que Jesus mesmo orou os salmos! Tantas vezes- contam os evangelhos - Jesus orava com os salmos[1]; os salmos apontam para Ele e n’Ele encontram pleno sentido e realização. “Falavam d’Ele e foram falados por Ele, vividos e rezados não só por si, mas por todos nós” (P. Visen­tin). Quem tem fé em Jesus encontra nessa oração expressões muito significativas e de acordo com a sua vida.
d) Enfim, orando os salmos como cristãos, eles se tornam oração em união com toda a Igreja, com Cristo e em Cristo, com as mesmas dimensões da oração de Jesus.
Dom Armando




[1] Cfr. Mt 4,6: Sl 91/90, 11-12; Mt 5,8: Sl 24/23,3-4 e 11/10,7; Lc 13,27 (Mt 7,23): Sl 6,9 e 119/118, 115; Lc 20, 41-44: Sl 110/109,1; Lc 23, 46: Sl 31/30,6 etc.