A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO – 4

A história do matrimônio é complexa e diferente segundo os tempos e lugares. Estas anotações pretendem oferecer somente algumas informações históricas para compreendermos o sentido do que nós hoje vivemos e, sobretudo, celebramos quando a Igreja acolhe os noivos – um homem e uma mulher – os quais, diante de Deus e da Comunidade eclesial, manifestam seu recíproco empenho de amor e fidelidade.
Depois de ter considerado alguns elementos da praxe judaica na celebração do matrimônio, vamos conhecer alguns aspectos da celebração do matrimônio no mundo greco-romano nos séculos mais antigos (VII - V a.C).
Na família romana o elemento mais importante era ‘o fogo sagrado do lar’. Na entrada da casa tinha o lugar sagrado onde se encontravam os Lares ou Poenates as divindades da família - diante dos quais devia brilhar sempre o fogo sagrado. “Esse fogo era o centro da liturgia familiar. Ali se recitavam as preces. A família estava unida se no lar ardesse o fogo sagrado”[1]. Manter aceso o fogo era dever do pai e do filho mais velho. “A procriação era consequência, não fim do matrimônio. Devia-se procriar para garantir que o fogo sagrado ficasse aceso”. A família do mundo greco-romano antigo se construía ao redor do fogo sagrado aceso pelos pais; a família tinha um caráter profundamente religioso.
O rito mais antigo da celebração matrimonial consistia na traditio puellae (a entrega da moça) que o pai fazia colocando a filha nas mãos do noivo, depois de ter feito o sacrifício aos Poenates em clima de festa. Seguia a procissão da casa paterna à casa do esposo. A noiva, coberta por um véu e bem enfeitada, era levada para a nova casa; o vestido branco em uso era o das Vestais, as moças encarregadas de manter sempre aceso o fogo sagrado para a comunidade.
Chegando à casa do esposo, a noiva não podia entrar. O noivo devia tomá-la nos braços e introduzi-la na nova comunidade religiosa. Diante do fogo sagrado, os dois deviam se lavar com água lustral, água com a qual se toca o fogo. Depois de uma oração, oferecia-se um sacrifício com um pão sagrado, comido por ambos. Nisso estava a essência do rito do matrimônio: participar do pão sagrado diante do fogo do novo lar.
Na família greco-romana desse período, a procriação é meio para garantir a indissolubilidade. O nascimento do filho é marcado pela presença do fogo; dez dias depois de nascido, o filho é levado diante do fogo sagrado e o pai deve reconhecer – ou rejeitar – o filho. O pai de família exerce a função de sacerdote dessa liturgia; ele tinha o poder sobre a família toda, que compreendia filhos, servos e bens. Em sua ausência, era a mãe que assumia o poder.
Podemos observar como, em sua origem, o matrimônio é vivido como algo sagrado, dentro de uma religiosidade repleta dos valores essenciais para uma vida equilibrada e ordenada. Nos séculos seguintes – iremos ver – todo esse clima religioso, pouco a pouco, foi murchando e muda também o modo de realizar o matrimônio.
Dom Armando





[1] Estas informações encontramos no artigo Matrimônio de C. Fernández Fernández, in AA. VV. Manual de liturgia III. A celebração do mistério pascal. Os Sacramentos: sinais do mistério pascal. São Paulo: Paulus, 2005, p.271ss.