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MATRIMÔNIO 14

Em minhas conversas litúrgicas, estou tratando do sacramento do Matrimônio e propondo algumas explicações a respeito das leituras bíblicas do Ritual.
      Já vimos o que o apóstolo Paulo escreve em sua carta aos Romanos. Do apóstolo, o Ritual propõe, em seguida, a bonita página aos cristãos de Corinto. À amada Comunidade de Corinto, Paulo (1Cor 12,31-13,8a) escreve a respeito dos dons diferentes e complementares que o Espírito Santo suscita na vida da Igreja para a utilidade comum; e continua: aspirai aos dons mais elevados e segue o ‘Hino ao Amor’. Com linguagem reboante, o apóstolo afirma que ‘de nada adiantaria possuir grandes capacidades, falar tantas línguas, fazer prodígios extraordinários, exercer importante ministério... se não tivermos a caridade...tudo seria inútil. E fala da caridade e de suas qualidades / características. Diz que a caridade é paciente, benigna, humilde, desinteressada, moderada, transparente, capaz de partilhar sentimentos; quem possui este amor verdadeiro sabe se alegrar com o bem e o sucesso do outro. Na vida de um casal e de uma família é esse amor que dá as cores à existência. Somente quem fundamentar sua vida de amor em Jesus Cristo e alimentar esse amor às fontes da vida espiritual, saberá amar e superar as dificuldades que vão aparecendo em sua vida.
      Do apóstolo Paulo, o Ritual apresenta outras leituras, que proporcionam valiosos ensinamentos para a vida familiar. Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós, se lê na carta aos Efésios; continua: Maridos, amai as vossas mulheres, como o Cristo amou a Igreja e se entregou por ela. À luz dessas afirmações, podemos compreender a maneira de Paulo argumentar a submissão das mulheres aos seus maridos da qual escreve; o apóstolo diz: sejam submissas como ao Senhor. Nesse acréscimo, compreende-se a novidade de vida, segundo a visão do apóstolo, nas relações familiares dos cristãos.
      Aos cristãos de Colossos (3,12-17) – aos quais chama de amados por Deus e de santos eleitos – São Paulo recomenda: revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência, suportando-vos um aos outros e perdoando-vos mutuamente. São as virtudes que devem distinguir a vida de um discípulo de Cristo. Ainda: amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição. Colocadas no contexto litúrgico da celebração do Matrimônio, essas leituras ajudam a entender o que a Igreja pensa e como propõe o estilo de vida dos que casam no Senhor. Será que tudo isso é pura utopia e ilusão? Não, mas uma proposta exigente de vida, coerente com o ser discípulos e discípulas de Cristo.
      Celebrar o casamento como sacramento comporta ter amadurecido em si mesmos essa visão de fé. Constata-se, porém, a distância que existe entre a proposta de vida evangélica feita pela Igreja e as concretas motivações que, às vezes, acompanham as celebrações de tantos matrimônios. Então, o que devemos fazer? Os namorados e noivos que decidem se casar ‘na igreja’ reflitam bem e, com a ajuda do Padre e da Pastoral familiar, procurem compreender e viver o que a Palavra propõe. Os que já se casaram ‘na Igreja’ e, talvez, não tiveram a oportunidade de compreender o sentido profundo de seu casamento, reflitam sobre esses belos ensinamentos e, com a ajuda da graça de Deus, procurem caminhar nessa direção. Com certeza, todos irão sentir que seus laços de amor recebem nova seiva e renovado vigor. É o meu desejo.

Dom Armando

MATRIMÔNIO 12

      Terminados os ritos iniciais, entramos na Liturgia da Palavra. O Lecionário propõe  28 leituras dentre as que “exprimem mais peculiarmente a importância e a dignidade do Matrimônio no mistério da salvação” (n. 56).
      Basta uma rápida olhada às leituras propostas, para colher a teologia do Matrimônio nelas contidas, que a Palavra desenvolve ao longo da História da Salvação.
      Os dois textos de Gênesis (1,26-28.31a e 2,18-24) destacam o projeto inicial do Senhor ao criar homem e mulher. A Bíblia acolhe a existência de ‘humano’ e ‘humana como intrínseca no plano de Deus’, algo muito profundo, alicerçado nas exigências mais íntimas da pessoa. O amor brota de uma sensação de vazio e incompletude que ‘adão’ experimenta. O domínio ‘sobre os animais de toda a terra’ (Gn 1,26) é insuficiente para se sentir feliz, ele, ser de barro, sobre o qual o Senhor ‘soprou’ seu hálito vital. Por isso, continua o segundo relato da criação, Deus decide dar ‘uma auxiliar semelhante a ele’. No sono profundo de Adão, da ‘costela tirada’ – diz Gn com linguagem simbólica e sapiencial – aparece a ‘auxiliar’. Com profundo intuito antropológico, Gênesis reconhece que cada pessoa é um presente de Deus para com a outra, e chamada a viver com igual dignidade, em atitude de colaboração. Essas são as bases para construir uma relação humana verdadeira, capaz de enriquecer os dois e dar-lhes alegria.
      Encontramos mais uma página do livro do Gênesis (24, 48-51.58-67). Conta como Labão, servo de Isaac, foi escolher Rebeca para ser a esposa do seu senhor. Dentro dos costumes do mundo antigo, tudo acontece seguindo a vontade de Deus e tudo procede debaixo do olhar amoroso e da bênção divina. Por isso, tudo caminha para o bom término.
      Para a mentalidade atual e a cultura em que vivemos, essas histórias podem parecer bonitas, mas muito distantes e até contrárias aos valores que hoje em dia fundam as relações afetivas. Com certeza, nem tudo pode ser recebido ao pé da letra. È oportuno, porém colher os elementos essenciais da antropologia bíblica, isto é, os valores de religiosidade e fé, que levam a reconhecer que tudo é dom de Deus e, portanto, a viver as relações humanas em atitudes de agradecimento para com Ele e na colaboração e no respeito um para com o outro.
      O casal que celebra seu amor ‘no Senhor’, acolherá, assim de maneira coerente o que dirá a ‘bênção nupcial’: “O amor e a paz permaneçam no coração da esposa, e ela busque o exemplo das santas mulheres, exaltadas com louvores nas Sagradas Escrituras. Nela confie o seu marido; e saiba honrá-la com a devida estima, reconhecendo-a companheira e co-herdeira da vida divina e amando-a com aquele amor com que Cristo amou a sua Igreja”.
      A linguagem da liturgia, provinda de uma cultura diferente da nossa, afirma com clareza o que a Palavra propõe e que hoje – e constantemente – precisamos recuperar e viver, em qualquer contexto e situação, na reciprocidade e na fidelidade. Assim, o amor tornar-se-á maduro e sólido e capaz de superar os desafios da vida.

Dom Armando

MATRIMÔNIO 11

     Depois de uma longa introdução em que apresentei alguns elementos da complexa história do matrimônio em algumas culturas e épocas, vamos ver a celebração litúrgica assim como hoje é proposta pela nossa Igreja católica.
      Abrindo o Ritual do Matrimônio, logo encontramos uma Introdução Geral que trata da importância e dignidade do Matrimônio, dos diversos Ofícios e ministérios, da celebração mesma, de como, onde e quando acontece, enfim, das adaptações sob a responsabilidade das Conferências episcopais. São 11 páginas muito densas e importantes para compreender o sentido que a Igreja dá a esse Sacramento e as motivações de sua celebração.
     Quem preside a celebração, como os que orientam os casais para a mesma, devem conhecer a visão teológica, litúrgica e pastoral do Sacramento. Teremos a oportunidade de retomarmos  essas reflexões. Desde o início, afirma-se que “O Matrimônio é constituído pelo pacto conjugal, ou seja, o consentimento mútuo e irrevogável, mediante o qual os cônjuges se doam e recebem mutuamente” (n. 2).
     Como para todos os sacramentos, na celebração temos os ritos iniciais, a liturgia da Palavra, o Rito sacramental do Matrimônio e, se a celebração acontecer com Missa, segue e Liturgia eucarística; se for sem Missa, depois das preces dos fiéis, reza-se o Pai-nosso e quem preside dá a bênção nupcial e conclui com os ritos finais.
     A celebração começa com a acolhida dos noivos. O ritual propõe dois modos. Quem preside, pode acolher os noivos à porta da igreja e fazer com eles a procissão de entrada, ou esperá-los, junto ao altar e, quando eles chegarem, acolhê-los e saudá-los cordialmente, ‘mostrando que a Igreja participa da sua alegria’. Em seguida, entoa-se o canto de entrada. Segue o sinal da cruz e a saudação, como de costume. Quem preside, faz uma apropriada saudação, ‘dirigindo-se aos noivos e a todos os presentes’. Essas palavras devem dar o tom da celebração e favorecer o clima orante. Vimos que nem sempre os que participam desse momento têm a compreensão e as disposições adequadas; por isso, é preciso criar um clima que favoreça em todos a vivência serena e intensa dos conteúdos humanos e espirituais da celebração mesma.
      Omite-se o Ato penitencial. Quando é permitido, usa-se a Missa do Casamento com as leituras próprias. Se for domingo e a Missa for participada pela comunidade paroquial, diz-se a Missa do dia. 
      Os ritos iniciais se concluem com uma oração. O Ritual propõe a escolha entre bem seis fórmulas.  Cada uma destaca alguns dos elementos mais significativos do Matrimônio. Pede-se a Deus que o casal ‘realize em sua vida este grande sacramento’, isto é, ‘o mistério do Cristo e da Igreja’; que o casal ‘cresça na caridade’ e viva como ‘um sinal do amor do Senhor’; ou que os dois – que sempre são chamados pelo nome – ‘progridam na fé que professam e enriqueçam de filhos a Igreja’, ou ‘que vivam unidos em santa aliança, num só coração, numa só alma, numa só santidade’. Todas essas expressões, muito fortes e significativas, merecem e exigem bastante reflexão para entrar - os noivos, antes de tudo - na compreensão espiritual e existencial do sentido do que se realiza diante de Deus e da Igreja com a celebração desse sacramento.

Dom Armando

MATRIMÔNIO 10

      Em minha última reflexão observava que o ‘estilo celebrativo’ do Matrimônio nos questiona. Às vezes, constata-se nos nubentes uma fé não bastante amadurecida e o desejo de viver esse momento mais inspirados nas ‘novelas’ do que segundo a fé da Igreja. Sobretudo, as pessoas que têm maiores possibilidades econômicas, preparam a festa mais esbanjando riqueza do que manifestando espiritualidade e compreensão do valor cristão do casamento como sinal do amor do Senhor para conosco.
      Eis, portanto, a necessidade de compreender o que significa a celebração litúrgica e, fundamentados no sentido teológico e espiritual, encontrar as expressões para uma celebração digna, coerente e bonita. Os aspectos folclóricos ou culturais, não são excluídos, mas devem ser integrados segundo os valores da celebração religiosa cristã. O que, tantas vezes, é difícil, sobretudo quando noivos e familiares não têm um contato vivo com a Igreja-comunidade de fé.
      O Ritual, isto é, o livro litúrgico que apresenta as modalidades da celebração, pede que os batizados vivam este momento guiados pelo desejo de consagrar seu amor mútuo, tendo como referencial o amor de Cristo pela Igreja, ou, ainda, o amor de Deus pelo seu povo, assim como se encontra em tantas páginas da Bíblia. De fato, é da sagrada Escritura que a Igreja tira o sentido da celebração litúrgica. Por isso, como escreve um liturgista, “a bênção divina e sacramental não é um enfeite, mas uma exigência que requer a presença operativa de Cristo, que abençoa e santifica essa nova comunidade de amor por meio de uma aliança selada com seu divino sangue” (Fernandez, C. Manual de Liturgia III, p 279).
      O Ritual recomenda que ‘normalmente’ a celebração do matrimônio aconteça dentro da celebração eucarística para expressar a união entre Cristo e a Igreja que, na eucaristia, atinge a sua máxima expressão. Infelizmente, entre nós,isso é possível poucas vezes, pelo fato do número reduzido de padres, mas, ainda, pela escassa consciência e formação cristã de tantos noivos e familiares. Aos poucos, porém, os que pretendem celebrar seu casamento ‘no Senhor’, são chamados a viver a celebração como momento forte de sua fé, fazendo uma adequada caminhada de compreensão dessa fé que só dá sentido e ilumina a escolha de ‘casar na Igreja’. Essa escolha deve ser acompanhada pela busca sincera de acolher, com consciência e responsabilidade, o ‘grande sacramento’, isto é, o amor de Jesus que doou sua vida pela sua Igreja. Quem ama a Jesus Cristo e sente, pela fé, a presença dele em sua vida e procura viver em harmonia e comunhão com Ele e seu mistério, então, sentirá essa exigência de se unir a Ele da forma mais plena e significativa. Isso, de maneira única, na bonita ocasião em que manifesta a uma pessoa amada a vontade de se doar para sempre na fidelidade e indissolubilidade e no desejo de acolher os filhos como dom de Deus e educá-los na mesma fé que ilumina esse encontro.


Dom Armando

A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO – 9

Em minhas reflexões a respeito da celebração do Matrimônio, relembrei algumas páginas de história, desde os tempos antigos até os mais recentes. Agora vamos conhecer o que hoje propõe o Ritual da nossa Igreja. Nas páginas introdutivas, logo tomamos conhecimento de que esse rito foi reformado, como auspiciava a Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, e ficou “mais enriquecido”, de modo que “significasse mais claramante a graça do sacramento e inculcasse melhor os deveres dos cônjuges”.
Saiu, em sua I edição, em 1969; em 1990, porém, já aparece uma segunda ‘edição típica’, “mais rica na Introdução Geral, nos Ritos e nas Preces”. Essa, traduzida para o Brasil, apareceu em 1993, enriquecida com um rito que “podemos chamá-lo de Rito Brasileiro”, como observa, sempre nas páginas introdutivas, Dom Clemente Isnard, grande liturgista, que Presidiu a Comissão para a Liturgia da CNBB. O rito tornou-se mais rico em seu conteúdo pastoral, pois - são palavras de Dom Clemente - “a celebração envolve muitas pessoas, chamadas a participar, e também a assembleia, em geral passiva e distraída”.
Vale a pena relembrar mais uma observação crítica de Dom Clemente: “Sabemos que as celebrações de Matrimônio, especialmente nos bairros de classe média e alta, estão sendo um verdadeiro problema para nossa consciência sacerdotal, má­xime no confronto entre o luxo com que se reveste e a estabilidade do lar que então é fundado”.  Essa observação, hoje, continua atual; antes, o ‘modelo novela’ compenetra mentes e estilo cele­brativo, também das classes mais pobres, dos que ainda procuram a celebração litúr­gica.
Cientes desses desafios, vamos ver as propostas do Ritual e algumas sugestões celebrativas. Tenho longa experiência para dizer que, hoje também, é possível dar dignidade e beleza à celebração do Matrimônio e torná-lo ‘sacramento’, isto é, sinal forte de encontro com o Senhor Jesus, o esposo da Igreja, que, na história concreta de amor de um homem e uma mulher, continua mostrando e atualizando seu amor.
Como em todos os rituais reformados após o Concílio Ecumênico Vaticano II, também o do Matrimônio contém uma significativa Introdução Geral, que é necessário conhecer. Nela, encontra-se o sentido que hoje a Igreja pretende dar aos ‘sinais da fé’ que celebra, e propor modalidades celebrativas de acordo com seu sentido teológico e espiritual. Logo sei que vão aparecer as dificuldades por parte dos padres que, em certos dias, devem celebrar um casamaneto após o outro, com noivas que chegam atrasadas, testemunhas que dão à sua presença só destaque decorativo, cantores e tocadores que se acham donos da celebração e pensam poder tocar e cantar qualquer música, também sem nenhuma ligação com o mistério de Cristo. E... são somente alguns dos desafios que conhecemos por longa experiência.
Todavia, em qualquer situação, com as devidas advertências e colaborações, aos poucos, é possível – quase sempre – tornar também esse momento, um ‘sacramento’, isto é, um evento de salvação e uma experiência da bondade e da presneça do Senhor em nossa vida e, sobretudo, dos que mais são chamados a celebrar - ‘no Senhor’ - o seu amor. É a respeito disso que iremos falar.

Dom Armando

A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO – 8

A história da celebração do Matrimônio é muito complexa e diferenciada nos diferentes lugares e ritos, sobretudo entre Ocidente e Oriente. Nestas ‘anotações’ queremos lembrar somente alguns desses elementos, cientes da nossa excessiva simplificação, na busca de evidenciar alguns dados comuns.
Pouco a pouco, a Igreja faz questão que este ato público e tão importante para a vida social e eclesial, aconteça diante dela. O casamento, com certeza, pertence à vida humana, à sua dimensão sexual e social, mas, quando celebrado entre batizados, eis que adquire também uma dimensão eclesial. Por isso, a Igreja orienta e, em seguida, exige que aconteça publicamente, na fachada da igreja.
Observa-se que, não é tanto as palavras ditas pelos esposos que mais contam, quanto os gestos. Somente a partir do século 10º, encontra-se uma fórmula verbal de consentimento. Foi pela influência do direito germânico que os teólogos da época (da Escolástica) acentuam a importância do consentimento expresso com palavras. No Pontifical romano do século 12º, encontramos a pergunta, feita ao noivo: “Queres acolhê-la (a noiva) como tua esposa”? E ele responde: “Quero”! Mas nem sempre nem em todo lugar o consentimento era dado perante o sacerdote. Por exemplo, na Itália da época, é o ‘notaro’ (público oficial) que recebe esse consentimento; em seguida, o casal ia para a Igreja onde se celebrava a Eucaristia e era dada a bênção nupcial à esposa, mas o sacerdote não pedia um novo consentimento.
A Igreja manifesta sempre mais sua preocupação para que a mulher cumpra sua escolha com maior liberdade. Desde o século 9º, encontramos documentação do conselho dado ao pai de consultar a filha (após os 16 anos) a respeito da escolha do noivo, e que seu consentimento seja espontâneo.
Entre os séculos 14 e 16, aumenta a presença da Igreja, talvez, também, para reagir diante de certa contestação a respeito da atuação dos ministros na celebração do casamento. Chegamos ao Concílio de Trento (1545-1563) quando a Igreja exige que o consentimento aconteça perante o Pároco, ou outro sacerdote autorizado por ele ou pelo bispo, e com a obrigação de transcrever o ato do Matrimônio, assinado pelos nubentes, o ministro e duas testemunhas. Tudo isso visava impedir casamentos clandestinos (não raros na época) que prejudicavam, sobretudo as mulheres.
Enquanto os Reformadores negavam o valor sacramental do Matrimônio, o Concílio tridentino afirma seu caráter sacramental e defende a legítima autoridade da Igreja sobre ele, e estabelece a necessidade de uma fórmula jurídica para a validade do mesmo. Os teólogos da época acentuam o fato que ‘ministros’ do Matrimônio são os nubentes. O Padre reconhece a união conjugal com as palavras “Eu conjugo vós em Matrimônio, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”; essa fórmula já é conhecida desde o século 13.
A dúplice dimensão da celebração do Matrimônio - a civil (o consentimento) e a religiosa (expressa, sobretudo, pela bênção nupcial sobre e esposa e a sucessiva celebração da Eucaristia) - tornou, e ainda torna, difícil sua celebração litúrgica. De fato, o Matrimônio – como união de um homem e de uma mulher num único projeto de vida – sempre foi considerado e vivido ao longo da história como um momento fundamental e decisivo para a vida humana.
Nas sucessivas conversas, iremos avaliar o novo Rito pós-conciliar e suas perspectivas e propostas para tornar mais significativos os elementos da história em nosso hoje.

Dom Armando

A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO – 7

Continuamos nossa reconstrução da história do Matrimônio. Vimos que, nos primeiros séculos, a Igreja não tem um rito próprio; os cristãos seguem os ritos do ambiente em que vivem. Aos poucos, porém, observa-se que – é o dado mais antigo –na frente da Igreja o padre dava aos noivos uma bênção especial, mas não se trata, ainda, de uma celebração. Na frente da Igreja, a celebração continuará também quando – isso sim – o matrimônio entre dois cristãos se torna‘celebração da igreja’ e esse costume permanecerá, se o ritual do Concílio de Trento (1545-63) mantém a disposição que o casamento seja celebrado na entrada da igreja.
Os historiadores observam que o traço mais antigo no que se refere à formação do ritual do matrimônio, encontra-se no rito chamado de velatio, isto é, o gesto de estender um véu sobre a cabeça dos noivos, enquanto é rezada uma oração de bênção. No Oriente acontece algo parecido com um rito chamado de coroação, talvez seguindo o costume familiar de as noivas colocar coroas no dia do casamento. Desde os séculos IV – V, sempre no Oriente, encontramos vários testemunhos que nos dizem da presença de um ministro no contesto do casamento, desde o início da celebração, na casa da noiva. Resumindo, um historiador escreve: “Nos séculos IV e V d.C. a bênção nupcial em Oriente é, portanto, um costume pacífico e praticado em todo canto” (Pietro Daquino). Assim, pouco a pouco, o pai de família é substituído pelo sacerdote e no Ocidente o mesmo acontece no ritual das bodas.
Nos escritos dos Padres da Igreja de Oriente – sobretudo Gregório de Nazianzo, João Crisóstomo, Basílio etc. – encontram-se duras queixas contra os comportamentos impróprios na ocasião dos matrimônios. Por exemplo, o Crisóstomo escreve: “Não tornemos desonestas as núpcias com festas diabólicas, mas, os que levam para casa a esposa, façam como fizeram os habitantes de Caná da Galileia; tenham Cristo sentado entre eles. Alguém perguntará: ‘Como pode acontecer isso’? Por meio dos sacerdotes”.
Observamos que esse rito da velatiose encontra também na América Central, em vários ritos pré-hispânicos; talvez, a partir do rito moçárabe (próprio da Espanha), passou para nós desde a primeira evangelização.Escreve um autor: “Talvez, uma relíquia da bênção mais antiga da velatio seja o dado de que o presbítero envolvia na própria estola as mãos dos contraentes enquanto orava”(Conrado Fernández Fernándes).
Acompanhando a história, nos séculos IV e V, como primeiro sinal da liturgia matrimonial, encontramos a bênção nupcial que é dada durante a celebração da eucaristia. Pela metade do século V, já se acha um esquema de ‘missa na celebração do matrimônio’.Ainda hoje, na celebração matrimonial, temos uma bênção - a primeira do ritual – que é muito antiga, de profundo sabor bíblico, que foi adaptada na última reforma do rito, mas que pertence a este período.
De forma resumida, podemos dizer que, nos primeiros oito séculos, a Igreja não intervém com um rito próprio para a celebração do matrimônio; este permanecealgo ligado aos costumes matrimoniais de cada ambiente, mas a presença dos ministros da Igreja marca a celebração matrimonial dos cristãos.

Dom Armando

A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO – 6

Continuamos nossa pesquisa para conhecer um pouco da história do Matrimônio nos séculos passados. Consideremos, agora, o que acontecia no mundo romano na época de Cristo.
Algo novo se observa. A autoridade civil começa a estar presente quando se realiza o casamento, que acontece na casa do noivo. Agora, a esposa não é mais levada diante dos lares - os deuses da família - mas no quarto nupcial, e o sinal principal do casamento é a consumação do ato sexual, também se o valor jurídico é dado pelo consentimento diante da autoridade civil.
A esposa continua se vestindo de branco, coloca na cabeça o véu vermelho e a coroa de flores.  Permanecem esses sinais de caráter religioso e o pai do noivo une as mãos dos dois e reza uma oração diante deles.
Em seguida, o casal, acompanhado por uma mulher (a pronuba), retira-se no quarto para realizar o ato conjugal, e o homem leva consigo um lenço branco que usa no momento do ato; a mulher o recolhe; se estiver manchado de sangue, é sinal de sua virgindade; então, ela sai para apresentá-lo aos convidados, aumentando, desse modo, a alegria da festa nupcial.
Na Roma que começa a ser evangelizada será esse o contexto cultural em que vivem os cristãos. Eles continuam seguindo os costumes vigentes, mas sem ter um rito litúrgico próprio. Isso, ao menos, até a metade do século IV, isto é, até quando o cristianismo, a partir de 313, torna-se religião permitida pela decisão do imperador Constantino.
Santo Inácio de Antioquia, o grande bispo que morre mártir pelo ano de 107, tem um texto que revela o interesse da igreja para com os seus filhos; escreve o santo bispo: “É oportuno que, ao se casar, os homens e as mulheres contraiam sua união com o consentimento do bispo, a fim de que seu matrimônio se realize segundo o Senhor e não segundo a paixão”. Trata-se não de uma ordem para celebrá-lo na Comunidade religiosa, mas de um desejo de dar a esse rito uma dimensão eclesial. Porém, não é algo ainda comum dentro da igreja desses séculos.
Na segunda metade do século IV, já encontramos documentos que falam da bênção do matrimônio feita pelo sacerdote. Observa-se que essa bênção não usa textos da bíblia que falam do matrimônio, mas se destaca, de uma maneira geral, que tudo o que Deus criou é bom (cf. Rm 4,3-5 e Hb 10,24-25). Aos poucos, na celebração, quem une as mãos é o bispo ou o presbítero e o mesmo dá a bênção ao casal.
Distingue-se, neste tempo, o matrimônio ‘perfeitíssimo’, quando realizado entre dois cristãos; ‘médio’, entre um cristão e um não-cristão, e o ‘pior’, entre dois pagãos.
Pelo influxo do direito germânico sobre o direito romano, eis que se passa do ‘consentimento’ qual elemento principal do matrimônio, para o ‘contrato’, uma espécie de ‘compra da esposa’ por parte do esposo que, assim, tem domínio sobre a mulher. Essa ‘compra’ podia acontecer quando a futura esposa era ainda criança, entregando-lhe um anel que, no início, era de ferro (sinal de poder); aos poucos, será de ouro e entrará o hábito do intercâmbio dos anéis.
Nesse período, o bispo ou o presbítero aparecem dando a bênção aos anéis; e um contrato escrito junto com algumas moedas, são sinais do matrimônio realizado. Esses elementos próprios do casamento entrarão na celebração litúrgica, também se não existe ainda um ritual próprio.

Dom Armando

A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO – 5

Estamos conhecendo alguns elementos da celebração do matrimônio na antiguidade. Vimos  como acontecia na religiosidade hebraica e no mundo grego e romano dos séculos mais antigos. Hoje, vamos acrescentar mais alguns detalhes da realidade romana, assim como pode ser reconstruída através dos testemunhos dos escritores da época. Trata-se de alguns elementos mais comuns, pois cada região tinha suas particularidades e, ainda, o novo sempre demora a se impor, permanecendo por muito tempo hábitos e tradições do passado.
A decisão de ‘empenhar’ a filha com o futuro esposo pertencia ao pai. Ele combinava a tratativa – dita sponsio - para o casamento. Com esse ato, os dois já se empenhavam reciprocamente e se tornavam membros do parentesco. O pai da noiva devia definir o ‘dote’ (a palavra vem de um verbo grego que significa ‘doar’; era uma antecipação da herança paterna) para a filha. Nesta época, o contrato acontece ‘na palavra’ e com a presença de testemunhas.
Alguns escritores da época (por ex. os poetas Virgílio e Ovídio) documentam que os dois estreitavam a mão direita um do outro para expressar o recíproco empenho. Já no I século d.C. sabemos que o noivo enviava à sua futura esposa um anel[1] como sinal desse empenho para com ela; a esposa o colocava no dedo anular, em sinal do compromisso com ele. Como garantes da fidelidade eram invocadas as divindades. Às vezes, acontecia um banquete para expressar, ao redor da mesa, a união entre as duas famílias.
Além dos deuses da família (os Penates) destacavam-se Venus, Júpiter (Zeus), Juno (Hera), Ceres, Mercúrio. Ao sacrifício à divindade, seguia o banquete de casamento, de costume na casa da esposa. No banquete (pelas cinco da tarde), tinha o ‘mestre sala’ (cf. João 2, 8) e os que participavam da ceia deviam ter a cabeça coberta com guirlandas de flores.
O rito na casa do pai da esposa, depois, passou para os públicos templos, também se a intervenção dos sacerdotes acontecia, sobretudo com as classes mais ricas. No templo se celebrava um rito – chamado confarreatio­ – que consistia em sacrificar ao deus Júpiter um bolo de ‘farro’ (espécie de trigo) do qual comiam os esposos; o rito acontecia diante do sacerdote e de dez testemunhas. Sacrificava-se ao deus uma ovelha e seguiam várias preces, enquanto os esposos ficavam sentados um ao lado do outro sobre banquinhos amarrados, e um véu cobria (nubere, em latim, daí nupcias e nubentes = ‘cobertos’) suas cabeças.
Depois do solene banquete, ao anoitecer, acontecia o cortejo até a casa do esposo; o caminho estava iluminado por muitas tochas e tocadores alegravam a caminhada. Tudo era realizado em atitude religiosa. Em alguns lugares, tinha o sacrifício (porco, boi, bezerra) às divindades ‘especializadas’ em defender o casamento. Entrando na casa do marido, a esposa dizia: “Onde tu estiveres (Caio), eu também (Caia) estarei”. No caminho, às crianças eram doadas nozes, provavelmente como voto de fecundidade e prosperidade. A esposa vestia um hábito branco, muito simples e amarrado; os cabelos eram divididos em seis tranças e coberto por uma guirlanda de verduras. 
Muitas outras cerimônias e diferentes orações às divindades da família acompanhavam a entrada na nova casa, até os noivos chegarem ao quarto nupcial. Aos poucos, porém, observa-se uma decadência do sentimento religioso. “Fogo sagrado e pão sacrifical são substituídos por um documento legal” (C. Fernández).
Dom Armando




[1] Anel vem de anulus, diminutivo de amnis = serpente;  a forma de anel era de uma pequena serpente, talvez símbolo da fertilidade e da virilidade.   

A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO – 4

A história do matrimônio é complexa e diferente segundo os tempos e lugares. Estas anotações pretendem oferecer somente algumas informações históricas para compreendermos o sentido do que nós hoje vivemos e, sobretudo, celebramos quando a Igreja acolhe os noivos – um homem e uma mulher – os quais, diante de Deus e da Comunidade eclesial, manifestam seu recíproco empenho de amor e fidelidade.
Depois de ter considerado alguns elementos da praxe judaica na celebração do matrimônio, vamos conhecer alguns aspectos da celebração do matrimônio no mundo greco-romano nos séculos mais antigos (VII - V a.C).
Na família romana o elemento mais importante era ‘o fogo sagrado do lar’. Na entrada da casa tinha o lugar sagrado onde se encontravam os Lares ou Poenates as divindades da família - diante dos quais devia brilhar sempre o fogo sagrado. “Esse fogo era o centro da liturgia familiar. Ali se recitavam as preces. A família estava unida se no lar ardesse o fogo sagrado”[1]. Manter aceso o fogo era dever do pai e do filho mais velho. “A procriação era consequência, não fim do matrimônio. Devia-se procriar para garantir que o fogo sagrado ficasse aceso”. A família do mundo greco-romano antigo se construía ao redor do fogo sagrado aceso pelos pais; a família tinha um caráter profundamente religioso.
O rito mais antigo da celebração matrimonial consistia na traditio puellae (a entrega da moça) que o pai fazia colocando a filha nas mãos do noivo, depois de ter feito o sacrifício aos Poenates em clima de festa. Seguia a procissão da casa paterna à casa do esposo. A noiva, coberta por um véu e bem enfeitada, era levada para a nova casa; o vestido branco em uso era o das Vestais, as moças encarregadas de manter sempre aceso o fogo sagrado para a comunidade.
Chegando à casa do esposo, a noiva não podia entrar. O noivo devia tomá-la nos braços e introduzi-la na nova comunidade religiosa. Diante do fogo sagrado, os dois deviam se lavar com água lustral, água com a qual se toca o fogo. Depois de uma oração, oferecia-se um sacrifício com um pão sagrado, comido por ambos. Nisso estava a essência do rito do matrimônio: participar do pão sagrado diante do fogo do novo lar.
Na família greco-romana desse período, a procriação é meio para garantir a indissolubilidade. O nascimento do filho é marcado pela presença do fogo; dez dias depois de nascido, o filho é levado diante do fogo sagrado e o pai deve reconhecer – ou rejeitar – o filho. O pai de família exerce a função de sacerdote dessa liturgia; ele tinha o poder sobre a família toda, que compreendia filhos, servos e bens. Em sua ausência, era a mãe que assumia o poder.
Podemos observar como, em sua origem, o matrimônio é vivido como algo sagrado, dentro de uma religiosidade repleta dos valores essenciais para uma vida equilibrada e ordenada. Nos séculos seguintes – iremos ver – todo esse clima religioso, pouco a pouco, foi murchando e muda também o modo de realizar o matrimônio.
Dom Armando





[1] Estas informações encontramos no artigo Matrimônio de C. Fernández Fernández, in AA. VV. Manual de liturgia III. A celebração do mistério pascal. Os Sacramentos: sinais do mistério pascal. São Paulo: Paulus, 2005, p.271ss.

A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO - 3

      O documento conciliar sobre liturgia - Sacrosanctum Concilium (n.77-78) - recomendava “revisar e enriquecer o rito da celebração do matrimônio que se encontra no Ritual Romano, de modo que se expresse a graça do sacramento e se inculquem os deveres dos esposos com maior clareza”. A partir desse pedido, elaborou-se o novo rito. Lembro que nas minhas reflexões considero o matrimônio principalmente do ponto de vista da celebração na igreja.
      Para compreender a celebração do matrimônio, assim como proposto pelo ritual de nossa Igreja católica, é importante conhecer alguns elementos que provêm de uma longa história religiosa e cultural onde o rito finca suas raízes. Começamos com algumas informações a respeito da tradição judaica, pelo fato de que influenciou o ritual usado pela Igreja desde as suas origens.
      O matrimônio judeu pode ser celebrado em qualquer ambiente, mas é mais frequente ser celebrado na sinagoga. O dia mais apropriado é na terça-feira, considerado dia de pompa por excelência, porque no relato da criação em Gn 1,10-12, encontra-se por duas vezes que “Deus viu que era bom’. Não se celebra casamentos no dia de sábado, dia santo para os hebreus, nem em alguns dias do ano em que se recordam acontecimentos de luto e sofrimento. Não existe a obrigação de usar roupas especiais, mas o costume é que a noiva vista-se de branco e com véu.
      O rito. Antes da cerimônia, o noivo, acompanhado por testemunhas, manifesta aceitar suas obrigações, e assina um contrato. Em seguida, é levado ao local onde encontra a noiva, cujo rosto está coberto com um véu, e diz a bênção de Rebeca: “Irmã nossa, tenhas filhos e descendentes, milhares e milhares, e que teus descendentes dominem seus inimigos”.
      O noivo, então, vai ao encontro da noiva no local da celebração, conduzido pelo pai, o pai da noiva, pelos parentes e amigos; a noiva, também, é conduzida pela mãe, a mãe do noivo, parentes e amigas, enquanto se canta: “Que o Todo-Poderoso e grande se digne abençoar os futuros esposos”. A cerimônia começa com o sermão do rabino ou de alguém que conheça a Torá, a Lei; em seguida, o mesmo pronuncia a oração de bênção: Bendito sejas, Senhor, Deus nosso, rei do universo, que nos santificaste com teus mandamentos e nos ordenastes abster-nos das desordens sexuais e nos proibistes a união com mulheres já prometidas a um homem...
      Oferece-se aos esposos a taça da qual ambos bebem. Então, o esposo põe no dedo anular da esposa um anel, dizendo: “Ficas santificada por mim por este anel, em conformidade com a religião de Moisés e de Israel”. O rabino, ou alguém escolhido pelo noivo, lê o documento. Abençoa-se a taça - a primeira de sete bênçãos – que é apresentada aos esposos; depois de beber, o noivo a quebra com o pé direito. Então, os esposos são conduzidos ao novo lar, no qual ficam sozinhos por um tempo. Segue o banquete nupcial, que conserva caráter religioso. Depois da ação de graças, recitam-se as bênçãos nupciais, e isso durante os sete dias que seguem o casamento.
      Vários outros usos foram elaborados, inspirados em acontecimentos bíblicos. É costume jogar sobre os esposos trigo, arroz, nozes e bombons.
São estes os elementos essenciais da tradição hebraica. Infelizmente, porém, esses costumes tendem a desaparecer.
Dom Armando

A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO - 2

Continuamos a reflexão sobre a celebração do Sacramento do Matrimônio. Vimos o contexto sociocultural em que, hoje em dia, a celebração acontece e os novos desafios que ela comporta. Acrescentamos que, às vezes, sobretudo em ambientes de maior tradição católica, o Sacramento pode ser procurado mais por habito religioso e cultural do que por uma madura motivação de fé. Em alguns casos, como releva o documento de preparação para o próximo Sínodo, existe uma verdadeira ‘crise de fé’ que se reflete, também, nas escolhas importantes da vida e na vida matrimonial.
O documento do Concílio que fala da liturgia – Sacrosanctum Concilium (SC) ainda em 1963 - observava que a liturgia exige um ‘antes’, isto é, uma preparação para compreender o que se celebra. E não basta entender o que se faz de um ponto de vista humano e social; tudo isso é importante e necessário, mas, para a celebração de um sacramento é necessária uma experiência de fé. Se essa faltar, eis que os enfeites vão substituir e cobrir a escassa compreensão religiosa ou o vazio espiritual.
A esse respeito, apresentando a II edição do Rito do Matrimônio para o Brasil, o saudoso Dom Clemente Isnard, responsável pela dimensão litúrgica da CNBB, escrevia: “Sabemos que as celebrações do Matrimônio, especialmente de classe média e alta, estão sendo um verdadeiro problema para nossa consciência sacerdotal, máxime no confronto entre o luxo com que se reveste e a estabilidade do lar que então é fundado”.
Observava isso em 1993; de lá pra cá, pela minha experiência, a realidade não melhorou, antes, complicou-se! Então, eis a necessidade de intensificar a formação humana e espiritual dos jovens, para ajuda-los a entender o sentido do casamento, sobretudo em sua dimensão religiosa e cristã; então, poderão escolher a celebração litúrgica sabendo o que significa e comporta um ‘Sacramento’ da Igreja e, de modo especial, o Matrimônio como ato de fé da Igreja. A nossa Igreja, por sua parte, sensível às mudanças ocorridas e que estão ocorrendo, nos últimos 50 anos, reformou também a celebração da liturgia desse sacramento.
“O Concílio Vaticano II, além de falar amplamente da realidade matrimonial na Gaudium et Spes, expressou sua vontade de reformar o rito na SC” (cf. Fernández, p. 267).SC pedia: “Deve-se revistar e enriquecer o rito da celebração do Matrimônio que se encontra no Ritual Romano, de modo que se expresse a graça do Sacramento e se inculquem os deveres dos esposos com maior clareza”.
A partir do que o Concílio pediu, eis que, em 1969, depois de quatro intensos anos de trabalho, saiu a primeira edição do novo Rito do Matrimônio que, em 1990, apareceu na segunda edição, amplamente enriquecida.
Para compreender as propostas feitas pela reforma conciliar, é preciso ter ao menos algumas informações sobre a história, e ainda, a pré-história desse sacramento. Assim, poderemos apreciar e celebrar melhor este sinal do amor do Senhor na e para a vida de um homem e uma mulher que, pela “aliança matrimonial, constituem entre si uma comunhão para toda a vida” (cf. Ritual 1 = Código cân. 1055). Quando acaba a celebração, começa a vida matrimonial e o Matrimônio é ‘um sacramento permanente’ que “implica a convivência, a unidade, a fidelidade, a frutificação, o amor matrimonial permanente” (Boróbio, p. 418). Retomaremos todos esses aspectos.
Dom Armando

A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO - 1

Nas minhas últimas doze ‘colunas litúrgicas’, tratei do Batismo de crianças, assim como a Igreja o propõe através do livro litúrgico da celebração. Hoje vou introduzir a reflexão sobre outro Sacramento da Igreja católica: a celebração do Matrimônio ou, com expressão mais popular, do Casamento.
Falar em casamento, hoje em dia, é algo muito complexo e desafiador. Circulam em nossa sociedade, acolhidos sem questionar, também por muitos cristãos católicos, comportamentos que não estão de acordo com a mensagem cristã. Assim, maneiras de entender e viver a dimensão sexual, modelos de vida e também de celebração do casamento tornaram-se tão diferentes que as propostas da Igreja e o sentido que ela dá ao Matrimônio, tantas vezes, são considerados obsoletos, em contraste com a liberdade pessoal de escolher e celebrar cada um (a) o ‘seu’ casamento.
Com certeza, é preciso reconhecer que o Matrimônio, como instituição social, existe antes da celebração litúrgica da Igreja; trata-se de uma realidade humana e social que a Igreja acolhe e valoriza, mas que preexiste na vida dos vários povos.
Não é minha intenção enfrentar os numerosos questionamentos ligados ao Matrimônio. O Sínodo já iniciado e que se concluirá no próximo mês de outubro, está tratando amplamente estas questões. Por minha parte, limitarei as conversas à dimensão litúrgica do Matrimônio como Sacramento da Igreja, abordando, a partir dessa ótica, algumas questões ligadas à celebração, mas que provêm do modo de entender e sentir hoje o relacionamento afetivo e sexual das pessoas.
Temos consciência de que o casamento é uma realidade complexa. Antes de tudo, é escolha de duas pessoas. Os outros Sacramentos dependem – normalmente – da escolha de uma pessoa (exceto no batismo de criança); no casamento, trata-se do compromisso que duas pessoas assumem livre e publicamente.
Do ponto de vista social, a complexidade deste Sacramento provém do fato que sua celebração tem uma dimensão, antes de tudo, antropológica social. Os demais Sacramentos pertencem unicamente à Igreja; o Matrimônio não. Encontram-se casais – que se declaram cristãos – mas que recusam uma ou outra forma de celebração: “Já casei no civil, que necessidade tem de outro casamento?” (religioso, se entende). Hoje em dia, ainda, cresce o número dos que não procuram expressar publicamente – nem com a forma civil nem religiosa – sua união afetiva e de convivência, enquanto, aumentam os casais homoafetivos que pedem o reconhecimento civil.
Neste sentido, o documento de preparação para a XIV Assembleia Geral ordinária do Sínodo dos bispos, escreve que a ‘mudança antropológico-cultural influencia hoje todos os aspectos da vida e exige uma abordagem analítica e diversificada’. Existem sim, também aspectos positivos, mas também negativos, sobretudo um ‘exasperado individualismo’, “cada indivíduo ‘se constrói em conformidade com os seus próprios desejos, assumidos como um absoluto” (n. 5).
Então, o que se pode fazer diante dessas dificuldades? A celebração litúrgica, quando acontece, tem esse ‘pano de fundo’ cultural, em que respiram, também, os cristãos católicos. Às vezes, encontram-se noivas que pretendem a celebração litúrgica seguindo mais o ‘estilo novela’, com suas músicas e expressões, do que segundo o espírito e o estilo do rito litúrgico da Igreja.
Eis, portanto, a necessidade de favorecer, por parte dos pastores e das pastorais, a compreensão do sentido da celebração litúrgica do casamento religioso. Será assunto das nossas próximas conversas.

Dom Armando