Leituras:
Jr 17,5-8
Sl 1,1-2.3.4.6
1Cor 15,12,16-20
Lc 6,17.20-26
Como
ser alegre nos dias atuais, tão angustiosos e trágicos, sobrecarregado de
problemas? Temos coragem para viver a felicidade? Qual o caminho que nos conduz
à alegria? Diante de tantas aparências de vida feliz corremos o risco de nos
contentar com qualquer coisa que supostamente se apresente a nós como
felicidade. Não basta querer a felicidade, é preciso ter coragem para buscá-la e
compreender que a alegria que transforma a vida não é mero sentimentalismo ou
euforia, mas expressão da certeza da salvação, a alegria que vem de Deus.
“O
próprio Deus colocou no coração do homem um desejo íntimo de felicidade” (CIC
1718). Qual o caminho para conquistá-la? Atentos ao que hoje escutamos na
Liturgia da Palavra e confiantes na certeza de que Deus deseja que sejamos
felizes voltemos para o sermão das bem-aventuranças que Jesus dirigiu aos
discípulos, depois que desceu da montanha. Antes, porém, um detalhe merece
destaque, o olhar de Jesus aos discípulos, isto é, os que Ele chamou e que já
decidiram segui-Lo. “E, levantando os olhos para os seus discípulos, disse” (Lc
6,20a).
Quando
percebemos esse olhar que se levanta em nossa direção e nos esforçamos para
acolher a Boa Notícia como esperança de uma vida transformada pelo amor de Deus
percebemos que a felicidade é algo maior, não é uma sensação momentânea ou um
sentimento egoísta, mas se trata de algo mais elevado. No olhar de Jesus se
manifesta a misericórdia divina. Ele olha porque ama e deseja que a sua palavra
não chegue aos ouvidos, mente e coração como lei que oprime, mas como palavra
de vida que liberta e conduz à salvação, à felicidade.
No
Evangelho de hoje escutamos o Sermão das bem-aventuranças. Jesus mostra o
caminho para ser feliz. A expressão bem-aventurado, que significa “feliz”, é
muito comum nas Sagradas Escrituras. Ouvimos na profecia de Jeremias que é
“bendito (=feliz) o homem que confia no Senhor” (Jr 17,7) e cantamos com o
salmista, “feliz é todo aquele que não anda conforme os conselhos dos perversos
[...] mas encontra seu prazer na lei de Deus e a medita, dia e noite, sem
cessar” (Sl 1).
As
bem-aventuranças proclamam a salvação, são orientações para a perfeição que
exigem renovação pessoal da opção por Jesus Cristo. A maneira mais eficaz para
compreender o caminho da salvação e percorrê-lo é praticar a busca por sentido.
Estamos numa sociedade em que a busca pelo sentido é difícil. Tantas vezes nos
sentimos provocados pelas propostas egoístas e superficiais da cultura
descartável que predomina em nossos dias a ponto de definir bens materiais como
razão para nossa felicidade. Ora, será que a felicidade é algo tão frágil assim
a ponto de se reduzir a uma simples sensação momentânea de bem-estar?
A
partir de Jesus Cristo vejamos como buscar a felicidade. “Bem-aventurados, vós,
os pobres”. É feliz quem faz da pobreza uma escolha, quem vive apenas com o
essencial. A pobreza à qual Jesus faz
referência é a pobreza evangélica, não a miséria ou a indigência. Pobres por
escolha, pobres porque deixaram de lado os excessos para serem discípulos de
Jesus.
“Bem-aventurados,
vós, que agora tendes fome”. Naturalmente não é ter fome de fama, de poder, de
moda ou de publicidade. Muitas vezes temos essas fomes porque somos provocados
(tentados) pelos meios de comunicação social. Como cristãos não podemos saciar
essa fome de qualquer jeito. É feliz quem sacia essa fome de outra forma, escolhendo
o amor fraterno e gratuito.
“Bem-aventurados,
vós, que agora chorais”. Deus não quer nossa dor e nosso sofrimento. Deus não
se agrada quando alguém vive em um vale de lágrimas. Quem se decide por Cristo
faz uma escolha que exige empenho e sacrifício, que visa construir um mundo
novo. Na sociedade de hoje, quem quer um mundo justo, fraterno, um mundo onde
todos possam ter o essencial para viver tem que chorar. Chorar é o sinal do
amor que o cristão prova diante do sonho de Jesus rejeitado por muitos. Não é um
choro de dor, mas um choro que manifesta paixão pelo mundo novo e esperança de
que a alegria de Deus transformará.
Bem-aventurados
serão quando algo de doloroso acontecer com os que são discípulos de Jesus. É
um convite para alegrar no momento da perseguição. A perseguição é o destino
dos justos (Jesus foi perseguido) que anunciam uma mensagem diferente da que
todo mundo está acostumado. Quem é perseguido deve se alegrar pelo fato de
abraçar decididamente a proposta do Evangelho.
Depois
das bem-aventuranças, Jesus faz uma chamada de atenção necessária. Os quatro
“ais” (=proclamação de infelicidade, quase um lamento) não são maldições, têm o propósito
de provocar mudanças. Embora tenha caráter ameaçador, não indicam castigo, mas
uma punição salvadora que nos faz recordar a atitude de Deus, que não nos trata
com indiferença, mas se relaciona com amor e quer o nosso bem. Porque Jesus nos
ama ele nos alerta sobre a abundância de bens, a busca insaciável por prazer, o
desejo de sucesso e aplausos. São coisas efêmeras quando comparadas com a sua
proposta de vida e sua mensagem do Reino.
Todas
essas alegações produzem vaidade e a sensação de uma felicidade temporal porque
dão uma falsa segurança. “Ai de vós, ricos” que causam a pobreza por causa do
acúmulo desnecessário de bens. “Ai de vós, que agora tendes fartura”, porque
não partilhais o excesso de bens. “Ai de vós, que agora rides”, em vez de fazer
sorrir e ser causa de alegria, provocais choro porque por causa da injustiça,
abusos e humilhação. “Ai de vós, quando todos vos elogiam”. Se todos falam bem é
porque reconhecem semelhança. Se somos iguais a todos não somos fiéis ao
Evangelho. A Boa notícia é um anúncio profético que propõe conversão. É
incompatível com a lógica deste mundo porque pretende transformá-lo.
Esses
lamentos nos ajudam a refletir sobre nossas escolhas. Queremos fazer parte do
grupo dos bem-aventurados ou dos que Jesus considera pessoas que escolhem,
não a alegria, mas uma vida sem sentido e incapaz de gerar o amor? Observemos
atentamente as palavras de Jesus e busquemos a felicidade. Seremos felizes se
colocarmos em prática o que ele nos ensinou e acolhermos a alegria que vem de
Deus. “Da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído” (São Paulo VI).