HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Ouvimos as
palavras do apóstolo Paulo: «Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o
seu Filho, nascido de uma mulher» (Gl 4, 4).
Que significa
Jesus nasceu na «plenitude do tempo»? Se o nosso olhar se fixa no momento
histórico, podemos imediatamente ficar decepcionados. Sobre grande parte do
mundo conhecido de então, dominava Roma com o seu poderio militar. O imperador
Augusto chegara ao poder depois de ter combatido cinco guerras civis. Também
Israel fora conquistado pelo Império Romano e o povo eleito estava privado da
liberdade. Por conseguinte, aquele não era certamente o tempo melhor para os
contemporâneos de Jesus. Portanto, se queremos definir o clímax do tempo, não é
para a esfera geopolítica que devemos olhar.
É necessária uma
interpretação diferente, que entenda a plenitude a partir de Deus. No
momento em que Deus estabelece ter chegado a hora de cumprir a promessa feita,
realiza-se então, para a humanidade, a plenitude do tempo. Por isso, não é a
história que decide acerca do nascimento de Cristo; mas, ao invés, é a sua
vinda ao mundo que permite à história chegar à sua plenitude. É por isso que se
começa, do nascimento do Filho de Deus, o cálculo duma nova era, ou seja, a que
vê o cumprimento da antiga promessa. Como escreve o autor da Carta aos Hebreus,
«muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos
antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos
por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de
quem fez o mundo. Este Filho é resplendor da sua glória e imagem fiel da sua
substância e tudo sustenta com a sua palavra poderosa» (1, 1-3). Assim, a
plenitude do tempo é a presença de Deus em pessoa na nossa história. Agora,
podemos ver a sua glória que refulge na pobreza dum estábulo, e ser encorajados
e sustentados pelo seu Verbo que Se fez «pequeno» numa criança. Graças a Ele, o
nosso tempo pode encontrar a sua plenitude. Também o nosso tempo pessoal
encontrará a sua plenitude no encontro com Jesus Cristo, Deus feito homem.
Este mistério,
porém, sempre contrasta com a dramática experiência histórica. Cada dia
quereríamos ser sustentados pelos sinais da presença de Deus, mas o que
constatamos são sinais opostos, negativos, que fazem antes senti-Lo como
ausente. A plenitude do tempo parece esboroar-se perante as inúmeras formas de
injustiça e violência que ferem diariamente a humanidade. Às vezes
perguntamo-nos: Como é possível que perdure a prepotência do homem sobre o
homem? Que a arrogância do mais forte continue a humilhar o mais fraco,
relegando-o para as margens mais esquálidas do nosso mundo? Até quando a
maldade humana semeará na terra violência e ódio, causando vítimas inocentes?
Como pode ser o tempo da plenitude este que coloca diante dos nossos olhos
multidões de homens, mulheres e crianças que fogem da guerra, da fome, da
perseguição, dispostos a arriscar a vida para verem respeitados os seus
direitos fundamentais? Um rio de miséria, alimentado pelo pecado, parece
contradizer a plenitude do tempo realizada por Cristo. Lembrai-vos, queridos pueri
cantores, que esta era precisamente a terceira pergunta que me fizestes ontem?
Como se explica? Até as crianças se dão conta disto!
Contudo este rio
alagador nada pode contra o oceano de misericórdia que inunda o nosso
mundo. Todos nós somos chamados a mergulhar neste oceano, a deixarmo-nos
regenerar, para vencer a indiferença que impede a solidariedade e sair da falsa
neutralidade que dificulta a partilha. A graça de Cristo, que realiza a
expectativa da salvação, impele a tornar-nos seus cooperadores na construção
dum mundo mais justo e fraterno, onde cada pessoa e cada criatura possam viver
em paz, na harmonia da criação primordial de Deus.
No início dum
novo ano, a Igreja faz-nos contemplar, como ícone de paz, a maternidade divina
de Maria. A antiga promessa realiza-se na sua pessoa, que acreditou nas
palavras do Anjo, concebeu o Filho, tornou-Se Mãe do Senhor. Através d’Ela, por
meio do seu «sim», chegou a plenitude do tempo. O Evangelho, que escutamos, diz
que a Virgem «conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lc 2,
19). Aparece-nos como vaso sempre cheio da memória de Jesus, Sede da Sabedoria,
onde recorrer para termos a interpretação coerente do seu ensinamento. Hoje
dá-nos a possibilidade de individuar o sentido dos acontecimentos que nos tocam
pessoalmente a nós, às nossas famílias, aos nossos países e ao mundo inteiro.
Aonde não pode chegar a razão dos filósofos, nem as negociações da política,
consegue fazê-lo a força da fé que a graça do Evangelho de Cristo nos traz e
que pode abrir sempre novos caminhos à razão e às negociações.
Feliz sois Vós,
ó Maria, por terdes dado ao mundo o Filho de Deus; mas mais feliz ainda sois
porque acreditastes n’Ele. Cheia de fé, concebestes Jesus, primeiro no coração
e depois no seio, para Vos tornardes Mãe de todos os crentes (cf. Santo
Agostinho, Sermo 215, 4). Mãe, lançai sobre nós a vossa bênção neste
dia que Vos é consagrado; mostrai-nos o rosto do vosso Filho Jesus, que dá ao
mundo inteiro misericórdia e paz. Amem.
FONTE: w2.vatican.va