“O Espírito conduziu Jesus ao
deserto” (Mt 4,1)
1ª Leitura - Gn 2,7-9; 3,1-7
Salmo - Sl 50,3-4.5-6a.12-13.14.17
(R.Cf.3a)
2ª Leitura - Rm 5,12-19
Evangelho - Mt 4,1-11
Mais
uma vez estamos na Quaresma! Eis o tempo favorável para o arrependimento e para
a mudança de vida. Este primeiro Domingo
da Quaresma nos propõe uma ida ao deserto para uma revisão de vida, avaliando
nossa prática de fé a partir de uma experiência corajosa e exigente, a
tentação. Mas como faremos isso se todos os dias pedimos a Deus que “não nos
deixeis cair em tentação”?
A
Liturgia da Palavra apresenta-nos uma contrastante reflexão sobre a tentação e
a reação diante dela. De lado está o ser humano que acabara de ser criado; de
outro, está Jesus que fora batizado por João no Rio Jordão. Adão e Eva gozam do
esplendor do Éden, o Paraíso que Deus criou como expressão do seu cuidado,
lugar de ordem e harmonia. Jesus é conduzido pelo Espírito ao deserto, lugar
inabitável pelos seres humanos, para ser tentado. Diante dessas realidades eis
que surge o adversário, habilitado para seduzir, tentar, enganar. Para Eva, ele
aprece como uma serpente astuta. Para Jesus, camuflado num desejo insaciável de
destruição.
A
serpente seduz Eva com uma mentira já que em nenhum momento Deus disse que era
proibido comer de todas as árvores. A ordem de Deus expressava autorização para
“comer de todas as árvores do jardim, mas
da árvore do conhecimento do bem e do mal não deves comer, porque, no dia que
comeres, com certeza morrerás” (Gn 2,16-17). Tal proibição se refere ao
desejo de querer ser igual a Deus ou de decidir, por conta própria o que é bem
e o que é mal. Eles tiveram a possibilidade de fazer uma escolha: viver para
Deus, dependente e obediente à sua vontade, ou dizer não a Deus. Essa foi a
tentação da autonomia absoluta que eles escolheram, deixaram-se guiar pela
influência da serpente. Também somos tentados a ocupar o lugar de Deus,
sobretudo quando há benefícios ao nosso favor.
Em
contraste, o Evangelho de hoje (Mt 4,1-11) mostra como Jesus Cristo realizou
uma provação diante das tentações feitas pelo diabo. Olhemos para Jesus e
sigamos o seu exemplo. Ele foi tentado, mas não se deixou levar pelas tentações.
As tentações que o diabo faz a Jesus apresentam um falso messianismo. Por isso,
estão relacionadas à identidade de Jesus. Daí compreendemos o quanto é
importante conhecermos aqueles que seguimos e servimos.
A
primeira tentação está associada ao prazer, às necessidades humanas. O tentador
vai ao ponto mais vulnerável de Jesus naquela ocasião. Já que estava a quarenta
dias no deserto, era óbvio que Jesus sentisse fome. Todavia, Jesus reage, mas
não como um Messias egoísta, ele não faz pão para satisfazer sua fome. Para
Jesus, a nutrição vem de Deus. Ele se alimenta da Palavra viva de Deus. Além
disso, o prazer de Jesus não está em fartar-se de pão – “meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou” (Jo 4,34). A
segunda tentação discorre sobre o poder, por se dá no ponto mais alto do
Templo, isto é, no pináculo, podemos pensar que se trate de poder religioso.
Porém, Jesus não é um Messias triunfador, não colocará Deus a serviço de sua
glória. Ele não está preocupado em ficar bem, mas em fazer o bem. Aqui
lembremos de nossa prática de fé. Se a Igreja se põe a serviço de sua própria
glória desviar-se-á de Jesus. Por fim, a terceira tentação atinge o coração,
relaciona-se ao ter. O diabo queria um lugar para ele no coração de Jesus, dando-lhe,
em troca, todos os reinos do mundo. No entanto, Jesus não é um Messias
dominador, aspirante de governo político sobre todo o mundo. Ele é servidor,
pois o Reino de Deus não se impõe com poder, mas se oferece com amor.
Essas
tentações de Jesus são tradicionalmente tratadas como arquétipos das tentações
que experimentamos: a tentação de satisfazer necessidades pessoais por bens
materiais, a tentação de realizar atos milagrosos pelo poder espiritual e a
tentação de buscar poder político e influência social. Por isso, temos que ser
lúcidos, atentos, para não ceder às tentações e nos afastarmos de Jesus.
Oportunamente, a Quaresma é a possibilidade que temos de renovar nossa vida e
conhecer o Senhor intimamente para aproximarmos dele com mais fé, a fim de
reconhecê-lo como o verdadeiro Messias, enviado do Pai e conduzido pelo
Espírito, para nos salvar.
Se
o Pai permitiu a ida de Jesus ao deserto para ser tentado, quanto mais a nós
não será permitido trilhar o mesmo caminho. Contudo, devemos enfrentar e vencer
as tentações como Jesus fez, usando os meios que Ele empregou. Cada um de nós é
tentado a buscar prazeres pecaminosos, riqueza fácil e uma posição de
autoridade, poder e glória, e usar qualquer meio, mesmo injusto ou pecador para
ganhar essas coisas. Fiquemos atentos! Que aproveitemos essa Quaresma para
viver a penitência e guiados pela Palavra de Deus, redescubramos quem somos
diante de Deus, dizendo sim a Ele e não a Satanás. De fato, a grande diferença
entre os seres humanos (Adão e Eva) e Jesus é que aqueles se renderam às
solicitações do diabo, enquanto este as recusou. Façamos o mesmo que Jesus. E como
ensina Santo Agostinho que “nossa vida é
uma peregrinação. E, como tal, está cheia de tentações. Porém, nossa maturidade
se forja nas tentações. Ninguém conhece a si mesmo se não é tentado”. Portanto, ser tentado não é sinal de desastre,
mas oportunidade de aperfeiçoar a vida e reafirmar a fé.
Marcos
Bento
3º
Teologia