Ap 11, 19;12,1.3-.10;
Sl 45/44;
1 Cor 15,20-27;
Lc 1,39-56.
Recordando a Palavra
O Evangelho nos fala de Maria grávida fazendo visita a Isabel, também
grávida. O encontro é marcado por alegria, gritos de alegria ecoam na casa de
Zacarias: Bendita és tu, Maria, que
acreditastes, porque será cumprido o que o Senhor prometeu. E Maria explode
num bonito hino de enaltecimento a Deus pelas maravilhas que Ele estava
operando n’Ela, humilde ‘serva’ do Altíssimo. Em Maria se reflete a grandeza de
Deus e se constata o que Ele faz quando encontra pessoas que se deixam moldar
por Ele; em Maria os soberbos e poderosos revelam toda sua fragilidade e
inconsistência; na jovem de Nazaré torna-se claro o estilo do nosso Deus rico em misericórdia ‘de geração em
geração’, que revoluciona os projetos humanos e se revela como o Senhor da
história.
Em Maria, que hoje celebramos em sua
Assunção ao céu, se mostra a vitória
de Jesus sobre a morte, o último inimigo
a ser destruído (II leitura). Por isso, também o dragão (cf. I leitura) –
símbolo de todos os poderosos que esmagam os pequenos e sem valor – é vencido
pela Mulher “vestida de sol, e que tem a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça
uma coroa de doze estrelas”. Ela já resplandece da luz de Deus, da luz
que ilumina a cidade santa “porque a glória de Deus a ilumina e a sua lâmpada é
o Cordeiro” (Ap 21,23); Ela ‘tem a lua debaixo dos pés’, isto é, domina o tempo
e todas as frágeis divindades que pretendem ocupar o lugar do Deus verdadeiro;
Ela, símbolo da Comunidade dos seguidores do Cordeiro, é sinal de vitória,
alcançada com a sua perseverança e fidelidade.
Atualizando a Palavra
No cerne de nossa fé está a certeza
que a morte foi vencida pela ressurreição de Jesus. Por isso, podemos contemplar
Maria repleta da glória de Deus, presença que alimenta a esperança de, nós
também, alcançar um dia a plenitude de vida junto de Deus.
Em Maria, que hoje nós veneramos
como Senhora do Livramento, temos um
prelúdio da vitória sobre toda realidade negativa, de mal e morte, que ameaça a
fragilidade humana. N’Ela celebramos a
esperança de participarmos um dia da festa que no céu nunca se acaba, a festa
da total e definitiva libertação.
A festa de hoje quer ser
uma injeção de ânimo para todos que, em meio a tantas dificuldades e
sofrimentos, peregrinam na fé rumo à pátria definitiva. Nós acreditamos que:
- na vida religiosa, Deus derruba quem nutre pensamentos de soberba e se
ergue, arrogante, contra Deus ou vive ‘como se Deus nem existisse’, em atitudes
de total auto-suficiência;
- na vida política, Deus afasta aqueles que exercem o poder como fossem
donos do povo, e aprova os que servem e buscam promover o bem das pessoas e da
sociedade, sem discriminações;
- na vida social, Deus não abandona os necessitados e, ao contrário, não
gosta e deixa de mãos vazias os que desprezam os pobres e desvalidos; Ele
aponta constantemente caminhos de verdadeira fraternidade entre os povos e as
pessoas.
Contemplando Maria, d’Ela aprendendo...
À luz das
numerosas mensagens deste dia, depois das bonitas reflexões da Novena, hoje, encerrando
os festejos em honra de Nossa senhora do
Livramento, gostaria que ficássemos um pouco contemplando Maria, a ela
perguntando o que devemos fazer, ou melhor, o que devemos ser e viver
para seguir o seu Filho Jesus como verdadeiros discípulos - missionários.
Uma palavra chamou minha atenção. Falando
de Maria que visita Isabel, o evangelista observa que “Maria partiu e se dirigiu
‘apressadamente’, a uma cidade da
Judeia”. Maria não só se prontificou para ajudar, mas o fez ‘apressadamente’. Que
coragem e que disponibilidade! Nada de ‘mais ou menos’, de desculpas ou fugas.
Livre para amar e para servir, ou melhor, para amar servindo e servir amando.
Sem tocando trombetas ou soltando foguetes. De fato, o estilo de quem ama é
assumir a dificuldade do outro e fazer tudo ‘às pressas’; quem está precisando
tem pressa de receber resposta, ajuda. (Não é a demora de certos atendimentos
médicos ou da solução da causa na justiça ou de quem espera a aposentadoria...).
A espiritualidade de Maria é o
contrário do egocêntrico olhar para si, ou de quem procura só emoções de forma
sentimental. Maria, grávida do Espírito Santo, eis que deixa a segurança de sua
casa para atender a quem sabe que está precisando dela. É a espiritualidade
do serviço, do dom de si, de quem não mede esforços para acolher e atender o
outro com seus problemas e dificuldades.
Penso: quantas justificações Maria
poderia ter encontrado para ficar em casa! Ela parte fundamentada só na palavra
do Anjo. Ela vive como envolvida no mistério de Deus que a cobriu com sua sombra, encheu-a de seu amor, a escolheu e
transformou em sacrário de sua presença, ‘Arca de sua Aliança’, sinal de sua
presença.
Maria está grávida do Verbo divino, do Filho de Deus. Que extraordinária
presença e que bela imagem! De fato, todo cristão, que compreende e vive sua fé,
está ‘grávido’ de Deus, repleto de sua presença, chamado a ser ‘carregador’
da divina presença em e com a sua vida.
De maneira toda especial quando
participamos da Eucaristia, quando acolhemos em nós mesmos, como Maria, a
divina Palavra e nos deixamos transformar por ela. O cristão deve ser, como
Maria, um teóforo, isto é,
alguém que carrega Deus em si mesmo, e anda pelas estradas da vida ‘levando
consigo Aquele que o leva’.
Maria, com o Filho no ventre, é
ao mesmo tempo uma e dois. Duas vidas distintas e ao mesmo tempo inseparáveis.
A vida cristã é assim, uma com Cristo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que
vive em mim” (Gál 2,20), e “a riqueza da glória deste mistério, que é Cristo em
vós” (Col 1,27), escreve o apóstolo Paulo.
Na Novena refletiram sobre as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da
Igreja no Brasil. Leio nelas uma frase: “Jesus Cristo é incessante e eterna
entrega, dom de si para o outro. É contínuo convite aos discípulos missionários
e, por meio deles, a toda a humanidade para segui-Lo, em meio a diferenças e
desencontros. O encontro com Jesus Cristo é acolhimento da graça do Pai que,
pela força do Espírito, revela o Salvador e atua no coração de cada pessoa,
possibilitando-lhe esta resposta” (n. 7).
As mesmas Diretrizes
acrescentam que a vida do discípulo deve ser ‘marcada’ pelas atitudes de alteridade e gratuidade.
No estilo de Maria temos um
grande exemplo de fé que se torna atenção, disponibilidade, serviço,
gratuidade, amor.
O papa Francisco recentemente,
em sua viagem a Lampedusa – ilha da Itália aonde chegam os numerosos emigrantes
da África - denunciava a ‘globalização da indiferença’ que está tomando
conta do mundo, sobretudo do mais rico e egoísta. “O sorriso e a simplicidade
do Papa, sua proximidade com os pobres e a sistemática lembranças deles em seus
gestos e palavras revelam Francisco como um pastor disposto a si derramar de
zelo e amor pelas ovelhas” (Dom Raimundo Damasceno). Temos, assim, uma
admoestação e um exemplo!
Celebrar a
festa de Nossa Senhora, amada Padroeira da Diocese e da Cidade, torne-se ‘momento
de graça’ para rever nosso estilo de vida e para testemunhar a fé. Estamos no
‘ano da fé’... Fé significa acreditar na vida plena que Deus nos oferece e que
nos tornou ‘novas criaturas’ para que vivamos em plenitude nossa humanidade
enquanto caminhamos rumo à pátria definitiva. Para lá Maria aponta caminhos;
aonde Ela já chegou.
De Maria aprendamos a louvar e
bendizer. Sim ‘dizer bem’ e não só de Deus, mas também dos irmãos e irmãs, para
sermos bênção de Deus para os outros. Nunca seremos felizes se não aprendermos
a ‘dizer bem’, a procurar palavras boas e bonitas em nossos relacionamentos
cotidianos, com simplicidade, generosidade e alegria, assim como Maria do Magnificat,
Maria da Visitação, Maria da Libertação. Amém.
Dom Armando Bucciol
Bispo Diocesano