Depois da reflexão
sobre a Palavra de Deus e o Salmo responsorial, seguindo o desenvolvimento da
celebração eucarística, chegamos ao momento da proclamação do Evangelho.
Mas, antes, tem um gesto, muito significativo, que se realiza somente nas
celebrações solenes, normalmente, com a presença do diácono.
No início dessas celebrações, o Evangeliário, isto é, o livro que
contém os textos do Evangelho, é posto no centro do altar. Agora o diácono o pega,
pede a bênção ao bispo ou ao padre e, em procissão, dirige-se ao ambão para
proclamar ou cantar o santo evangelho.
Por que no início da Missa o
Evangeliário é colocado sobre o altar? Porque a Igreja
reconhece no livro dos evangelhos a mesma dignidade dos dons eucarísticos. O Evangeliário, assim, torna-se objeto de
culto e adquire um intenso sentido teológico.
Como o pão e o vinho
são tirados do altar para que os fiéis se alimentem do Corpo do Senhor, assim o
Evangelho é tirado do altar para que os fiéis se alimentem da Palavra de
Cristo. No Evangelho de João se lê: Quem
come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna (6,54); mas se lê
também: Quem escuta a minha palavra ...
tem a vida eterna (5, 24).
Esse gesto da liturgia é muito antigo. Já
na idade média o teólogo Guilherme Durando (morreu em 1296), escrevia: “A razão
pela qual pega o livro do altar depende do fato que os apóstolos receberam o Evangelho
do altar quando, em sua pregação, anunciaram a paixão do Senhor”. O altar é o
símbolo concreto de Cristo que se entrega como Palavra que anuncia, antes de
tudo, sua paixão. O fato de o Evangelho ser tirado do altar significa que o
anúncio de Cristo deve ser entendido a partir do mistério da cruz. São
Paulo, escrevendo aos Coríntios, recorda da “palavra da Cruz” (1 Cor 1,18) que
ele pregou: Nós pregamos Cristo
crucificado (1 Cor 1,18).
A unidade Evangelho e Cruz é confirmada
por outros gestos pequenos, mas muito expressivos. Quem proclama o evangelho
traça sobre o livro um sinal de cruz, e depois, junto com os fiéis, faz esse
mesmo sinal na fronte, nos lábios e no peito. Isto para dizer que a palavra do
Senhor deve ter acesso nas faculdades fundamentais da pessoa: o intelecto, a
linguagem e a vontade. Esse gesto recorda o ‘marco’ batismal que caracteriza o
cristão: na fronte, lugar do pensamento e da inteligência; nos lábios,
espaço da voz e da palavra; no coração, sede da vontade e dos afetos.
Por essa razão, ainda o teólogo Guilherme, chamava o Evangeliário de livro do
Crucificado, o livro do homem da paz do qual recebemos a reconciliação. E,
com seu estilo profundo e sintético, santo Agostinho afirmava: “Nós nos
alimentamos da cruz do Senhor quando comemos seu corpo”.
Em sua liturgia, a Igreja católica nunca
separou a Palavra da Eucaristia, o alimento da Palavra e do Pão, também quando
a reflexão teológica não o lembrava mais. Testemunho disso é a pequena antífona de comunhão colocada antes da
distribuição da Eucaristia.
Esses pequenos gestos, que passam quase
despercebidos, contêm grande sentido. Essas anotações possam ajudar a compreendê-los
e vivê-los na intimidade do nosso ser movidos pela fé.
Dom
Armando