Continuamos nossas reflexões sobre a oração da Igreja, a Liturgia das Horas. Nela encontramos
vários elementos: salmos, antífonas, cânticos, leituras (da Sagrada Escritura, dos Padres e
Escritores eclesiásticos, da vida
dos Santos), responsórios, hinos, preces.
Vamos analisar, sobretudo os Salmos, que constituem a
base dessa oração, esplêndidos poemas que
os autores sagrados do AT compuseram sob inspiração do Espírito Santo (IGLH
100). Podem, porém, gerar “alguma dificuldade quando alguém na oração procura
fazer seus aqueles poemas venerandos” (ib. 101). Por isso, é necessário adquirir “formação
bíblica, a mais rica possível, sobretudo quanto aos salmos” (SC 90).
“Ler os
salmos é como visitar uma catedral construída por numerosas mãos e ao longo de
vários séculos” (Steinmann); de fato, eles são a expressão da oração do povo de
Israel, fruto de um trabalho de séculos (5-6). Os salmos nos ensinam qual
atitude devemos assumir diante de Deus nas mais diversas circunstâncias. É oração
sempre muito concreta, abre-se para a
existência humana: festas e lutos, dor e alegria.
Os ‘itinerários’ de oração propostos pelos salmos são
profundamente ligados ao caminho humano e àquelas situações pelas quais todos
passamos.
Um primeiro itinerário é da angústia. Uma terceira parte dos salmos reflete a situação
da dor, da crise. Assim, como é a vida humana que conhece mais a escuridão que
não a felicidade. Significativo é o salmo 88 /87: Súplica do fundo da angústia. No drama, têm três personagens: Deus,
o homem, o inimigo. Este último assume nomes e rostos diferentes; é ele que
tira a alegria, a serenidade, a confiança. Na dramaticidade do perigo, surge a
perene pergunta: “Por quê? Até quando?” Chegando ao ponto de uma acusação
contra Deus e sua indiferença: “Até quando, Senhor, ficarás olhando?”. O drama
se abre para o futuro: Deus sai de seu silêncio, aproxima-se, escuta a súplica.
Tem sempre um final de esperança: “O Senhor é minha força e meu escudo, é nele
que meu coração confia... de todo o coração eu agradeço” (Sl 28/27,7).
Um
segundo itinerário é da alegria. Um exemplo é o Salmo 23/22, onde se fala
do pastor que faz repousar em verdes pastagens e conduz para águas tranquilas; ou o Salmo 131/130: como criança desmamada no colo de sua mãe:
são os símbolos da confiança; são sentimentos que nascem da fé em Deus, sólida
rocha em que podemos nos apoiar. Essa atmosfera acompanha todo o Saltério. Assim, muitas vezes, do lamento elevado a Deus,
passa-se à confissão do próprio pecado, olha-se para a fidelidade inabalável de
Deus, até chegar ao louvor e ao agradecimento quando se alcança a libertação
(cf. Sl 106).
Temos o itinerário da liturgia. Nos salmos
não existem muitas referências litúrgicas explícitas, mas o saltério foi e é o
fundamento da liturgia da Comunidade hebraica e da cristã: o indivíduo nunca
ora separado da Comunidade; ele é sempre um membro do Povo que dialoga com o
Deus da Aliança.
Encontramos,
também, alguns salmos de ingresso (um pouco como o nosso Ato
penitencial) que ajudam para entrar no espírito certo da liturgia: ex. Sl15/14:
Senhor, quem pode hospedar-se em tua
tenda? Quem pode habitar em teu monte sagrado? SlQuem pode subir a montanha de Javé?
24/23:
Encerramos com o itinerário do puro
louvor, a oração mais alta! Com o hino,
de forma livre e espontânea, agradece-se a Deus não por um benefício recebido,
mas somente pelo fato que Ele existe. Esse é o referencial para qualquer
oração. Do louvor a Deus, o agradecimento se expande numa série de círculos concêntricos,
alcança Jerusalém, o Reino de Deus e chega a toda a criação.
Os salmos
apresentam um culto próximo à sensibilidade dos profetas, um culto que não
afasta dos compromissos sociais de justiça e de amor. Sacrifício a Deus é um coração contrito (Sl 51/50, 19): é a união
entre fé e vida. A oração torna-se, então, como que uma grande sinfonia, e o
louvor se expande e envolve a inteira criação: Todo ser que respira louve a Javé (Sl 150,6): assim termina o
saltério (cf. Sl 148).
Dom Armando