DIÁLOGO ENTRE GERAÇÕES, EDUCAÇÃO E TRABALHO: INSTRUMENTOS PARA CONSTRUIR UMA PAZ DURADOURA1. “Que formosos são sobre os montes os pés do mensageiro
que anuncia a paz” (Is 52, 7)!
Estas palavras do profeta Isaías manifestam a consolação,
o suspiro de alívio dum povo exilado, extenuado pelas violências e os abusos, exposto
à infâmia e à morte. Sobre esse povo, assim se interrogava o profeta Baruc: “Por
que estás tu em terra inimiga, envelhecendo num país estrangeiro? Contaminaste-te
com os mortos, foste contado com os que descem ao Hades” (3,10-11). Para aquela
gente, a chegada do mensageiro de paz significava a esperança dum renascimento
dos escombros da história, o início dum futuro luminoso.
Ainda hoje o caminho da paz – o novo nome desta,
segundo São Paulo VI,
é desenvolvimento integral – permanece,
infelizmente, arredio da vida real de tantos homens e mulheres e consequentemente
da família humana, que nos aparece agora totalmente interligada. Apesar dos múltiplos
esforços visando um diálogo construtivo entre as nações, aumenta o ruído ensurdecedor
de guerras e conflitos, ao mesmo tempo que ganham espaço doenças de proporções pandêmicas,
pioram os efeitos das alterações climáticas e da degradação ambiental, agrava-se
o drama da fome e da sede e continua a predominar um modelo econômico mais baseado
no individualismo do que na partilha solidária. Como nos tempos dos antigos profetas,
continua também hoje a elevar-se o clamor dos pobres e da terra para implorar
justiça e paz.
Em cada época, a paz é conjuntamente dádiva do Alto
e fruto dum empenho compartilhado. De fato, há uma “arquitetura” da paz, onde
intervêm as várias instituições da sociedade, e existe um “artesanato” da paz, que
nos envolve pessoalmente a cada um de nós. Todos podem colaborar para construir
um mundo mais pacífico partindo do próprio coração e das relações em família, passando
pela sociedade e o meio ambiente, até chegar às relações entre os povos e entre
os Estados.
Quero propor, aqui, três caminhos para a construção
duma paz duradoura. Primeiro, o diálogo entre as gerações, como base para
a realização de projetos compartilhados. Depois, a educação, como fator de
liberdade, responsabilidade e desenvolvimento. E, por fim, o trabalho, para
uma plena realização da dignidade humana. São três elementos imprescindíveis para
tornar “possível a criação dum pacto social”, sem o qual se revela inconsistente
todo o projeto de paz.
2. Dialogar entre gerações para construir a paz
Num mundo ainda fustigado pela pandemia, que tem causado
tantos problemas, “alguns tentam fugir da realidade, refugiando-se em mundos privados,
enquanto outros a enfrentam com violência destrutiva, mas, entre a indiferença egoísta
e o protesto violento há uma opção sempre possível: o diálogo, [concretamente] o
diálogo entre as gerações”.
Todo o diálogo sincero, mesmo sem excluir uma justa
e positiva dialética, exige sempre uma confiança de base entre os interlocutores.
Devemos voltar a recuperar esta confiança recíproca. A crise sanitária atual fez
crescer, em todos, o sentido da solidão e o isolar-se em si mesmos. Às solidões
dos idosos veio juntar-se, nos jovens, o sentido de impotência e a falta duma noção
compartilhada de futuro. Esta crise é sem dúvida aflitiva, mas nela é possível expressar-se
também o melhor das pessoas. De fato, precisamente durante a pandemia, constatamos
nos quatro cantos do mundo generosos testemunhos de compaixão, partilha, solidariedade.
Dialogar significa ouvir-se um ao outro, confrontar
posições, pôr-se de acordo e caminhar juntos. Favorecer tudo isto entre as gerações
significa amanhar o terreno duro e estéril do conflito e do descarte para nele se
cultivar as sementes duma paz duradoura e compartilhada.
Enquanto o progresso tecnológico e econômico frequentemente
dividiu as gerações, as crises contemporâneas revelam a urgência da sua aliança.
Se os jovens precisam da experiência existencial, sapiencial e espiritual dos idosos,
também estes precisam do apoio, carinho, criatividade e dinamismo dos jovens.
Os grandes desafios sociais e os processos de pacificação
não podem prescindir do diálogo entre os guardiões da memória – os idosos – e aqueles
que fazem avançar a história – os jovens –; tal como não é possível prescindir da
disponibilidade de cada um dar espaço ao outro, nem pretender ocupar inteiramente
a cena preocupando-se com os seus interesses imediatos como se não houvesse passado
nem futuro. A crise global que vivemos mostra-nos, no encontro e no diálogo entre
as gerações, a força motora duma política sã, que não se contenta em administrar
o existente “com remendos ou soluções rápidas”, mas presta-se, como forma eminente
de amor pelo outro, à busca de projetos compartilhados e sustentáveis.
Se soubermos, nas dificuldades, praticar este diálogo
intergeracional, “poderemos estar bem enraizados no presente e, daqui, visitar o
passado e o futuro: visitar o passado, para aprender da história e curar as feridas
que às vezes nos condicionam; visitar o futuro, para alimentar o entusiasmo, fazer
germinar os sonhos, suscitar profecias, fazer florescer as esperanças. Assim unidos,
poderemos aprender uns com os outros”. Sem as raízes, como poderiam as árvores crescer
e dar fruto?
É suficiente pensar no cuidado da nossa casa comum,
já que o próprio meio ambiente “é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir
à geração seguinte”. Por isso, devem ser apreciados e encorajados os numerosos jovens
que se empenham por um mundo mais justo e atento à tutela da criação, confiada à
nossa custódia. Fazem-no num misto de inquietude e entusiasmo, mas sobretudo com
sentido de responsabilidade perante a urgente mudança de rumo, que nos é imposta
pelas dificuldades surgidas da atual crise ética e socioambiental.
Por outro lado, a oportunidade de construir, juntos,
percursos de paz não pode prescindir da educação e do trabalho, lugares e contextos
privilegiados do diálogo intergeracional: enquanto a educação fornece a gramática
do diálogo entre as gerações, na experiência do trabalho encontram-se a colaborar
homens e mulheres de diferentes gerações, trocando entre si conhecimentos, experiências
e competências em vista do bem comum.
3. A instrução e a educação como motores da paz
Nos últimos anos, diminuiu sensivelmente a nível mundial
o orçamento para a instrução e a educação, vistas mais como despesas do que como
investimentos; e, todavia, constituem os vetores primários dum desenvolvimento humano
integral: tornam a pessoa mais livre e responsável, sendo indispensáveis para a
defesa e promoção da paz. Por outras palavras, instrução e educação são os alicerces
duma sociedade coesa, civil, capaz de gerar esperança, riqueza e progresso.
Ao contrário, aumentaram as despesas militares, ultrapassando
o nível registado no termo da “guerra fria”, e parecem destinadas a crescer de maneira
exorbitante.
Por conseguinte, é oportuno e urgente que os detentores
das responsabilidades governamentais elaborem políticas econômicas que prevejam
uma inversão na correlação entre os investimentos públicos na educação e os fundos
para armamentos. Aliás a busca dum real processo de desarmamento internacional só
pode trazer grandes benefícios ao desenvolvimento dos povos e nações, libertando
recursos financeiros para ser utilizados de forma mais apropriada na saúde, na escola,
nas infraestruturas, no cuidado do território, etc.
Faço votos de que o investimento na educação seja acompanhado
por um empenho mais consistente na promoção da cultura do cuidado. Perante a fragmentação
da sociedade e a inércia das instituições, esta cultura do cuidado pode-se tornar
a linguagem comum que abate as barreiras e constrói pontes. “Um país cresce quando
dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais: a cultura popular,
a cultura universitária, a cultura juvenil, a cultura artística e a cultura tecnológica,
a cultura econômica e a cultura da família, e a cultura dos meios de comunicação”.
É necessário, portanto, forjar um novo paradigma cultural, através de “um pacto
educativo global para e com as gerações jovens, que empenhe as famílias, as comunidades,
as escolas e universidades, as instituições, as religiões, os governantes, a humanidade
inteira na formação de pessoas maduras”. Um pacto que promova a educação para a
ecologia integral, segundo um modelo cultural de paz, desenvolvimento e sustentabilidade,
centrado na fraternidade e na aliança entre os seres humanos e o meio ambiente.
Investir na instrução e educação das novas gerações
é a estrada mestra que as leva, mediante uma específica preparação, a ocupar com
proveito um justo lugar no mundo do trabalho.
4. Promover e assegurar o trabalho constrói a paz
O trabalho é um fator indispensável para construir e
preservar a paz. Aquele constitui expressão da pessoa e dos seus dotes, mas também
compromisso, esforço, colaboração com outros, porque se trabalha sempre com ou para
alguém. Nesta perspectiva acentuadamente social, o trabalho é o lugar onde aprendemos
a dar a nossa contribuição para um mundo mais habitável e belo.
A pandemia Covid-19 agravou a situação do mundo do trabalho,
que já antes se defrontava com variados desafios. Faliram milhões de atividades
econômicas e produtivas; os trabalhadores precários estão cada vez mais vulneráveis;
muitos daqueles que desempenham serviços essenciais são ainda menos visíveis à consciência
pública e política; a instrução à distância gerou, em muitos casos, um retrocesso
na aprendizagem e nos percursos escolásticos. Além disso, os jovens que assomam
ao mercado profissional e os adultos precipitados no desemprego enfrentam hoje perspectivas
dramáticas.
Particularmente devastador foi o impacto da crise na
economia informal, que muitas vezes envolve os trabalhadores migrantes. Muitos deles
– como se não existissem – não são reconhecidos pelas leis nacionais; vivem em condições
muito precárias para eles mesmos e suas famílias, expostos a várias formas de escravidão
e desprovidos dum sistema de previdência que os proteja. Mais, atualmente apenas
um terço da população mundial em idade laboral goza dum sistema de proteção social
ou usufrui dele apenas de forma limitada. Em muitos países, crescem a violência
e a criminalidade organizada, sufocando a liberdade e a dignidade das pessoas, envenenando
a economia e impedindo que se desenvolva o bem comum. A resposta a esta situação
só pode passar por uma ampliação das oportunidades de trabalho digno.
Com efeito o trabalho é a base sobre a qual se há de
construir a justiça e a solidariedade em cada comunidade. Por isso, “não se deve
procurar que o progresso tecnológico substitua cada vez mais o trabalho humano:
procedendo assim, a humanidade prejudicar-se-ia a si mesma. O trabalho é uma necessidade,
faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento
humano e realização pessoal”. Temos de unir as ideias e os esforços para criar as
condições e inventar soluções a fim de que cada ser humano em idade produtiva tenha
a possibilidade, com o seu trabalho, de contribuir para a vida da família e da sociedade.
Como é urgente promover em todo o mundo condições laborais
decentes e dignas, orientadas para o bem comum e a salvaguarda da criação! É necessário
garantir e apoiar a liberdade das iniciativas empresariais e, ao mesmo tempo, fazer
crescer uma renovada responsabilidade social para que o lucro não seja o único critério-guia.
Nesta perspectiva, devem ser estimuladas, acolhidas
e sustentadas as iniciativas, a todos os níveis, que solicitam as empresas a respeitar
os direitos humanos fundamentais de trabalhadoras e trabalhadores, sensibilizando
nesse sentido não só as instituições, mas também os consumidores, a sociedade civil
e as realidades empresariais. Estas, quanto mais cientes estão da sua função social,
tanto mais se tornam lugares onde se cultiva a dignidade humana, participando por
sua vez na construção da paz. Sobre este aspecto, é chamada a desempenhar um papel
ativo a política, promovendo um justo equilíbrio entre a liberdade econômica e a
justiça social. E todos aqueles que intervêm neste campo, a começar pelos trabalhadores
e empresários católicos, podem encontrar orientações seguras na doutrina social
da Igreja.
Queridos irmãos e irmãs! Enquanto procuramos unir os
esforços para sair da pandemia, quero renovar os meus agradecimentos a quantos se
empenharam e continuam a dedicar-se, com generosidade e responsabilidade, para garantir
a instrução, a segurança e tutela dos direitos, fornecer os cuidados médicos, facilitar
o encontro entre familiares e doentes, garantir apoio econômico às pessoas necessitadas
ou desempregadas. E asseguro, na minha oração, a lembrança de todas as vítimas e
suas famílias.
Aos governantes e a quantos têm responsabilidades políticas
e sociais, aos pastores e aos animadores das comunidades eclesiais, bem como a todos
os homens e mulheres de boa vontade, faço apelo para caminharmos, juntos, por estas
três estradas: o diálogo entre as gerações, a educação e o trabalho. Com coragem
e criatividade. Oxalá sejam cada vez mais numerosas as pessoas que, sem fazer rumor,
com humildade e tenacidade, se tornam dia a dia artesãs de paz. E que sempre as
preceda e acompanhe a bênção do Deus da paz!
Vaticano, 8 de dezembro de 2021.
Francisco